Estamos novamente no clima de Copa do Mundo. No entanto, em um cenário diverso do que acompanhamos no final do ano passado com o time masculino, nossa seleção feminina busca a sua primeira estrela.
Como ocorre a cada quatro anos, em meio a goleadas e jogos emocionantes, o torneio suscita discussões acerca do desenvolvimento do futebol feminino e de possíveis caminhos para a modalidade. Nesse contexto, é comum que surjam preocupações de ordem financeira.
Aparecem, assim, diversas comparações econômicas com a realidade do futebol masculino, assim como questionamentos acerca da viabilidade econômica do progresso pretendido com a modalidade.
Não é raro que despontem até mesmo discussões simplistas sobre o tema. Afinal, é certo que o desenvolvimento econômico-esportivo do futebol feminino é uma questão complexa, que depende de diversos fatores. Trata-se, na realidade, de um esforço coletivo, que envolve atletas, empresários, advogados, clubes, seleções, associações nacionais, patrocinadores, emissoras de TV, jornalistas e até torcedores.
No entanto, nesse cenário, convém mencionar o Fifa Forward, programa de auxílio financeiro organizado pela Fifa que pode (e deve) ser explorado como um parceiro do futebol feminino local.
É sabido que, com a Copa do Mundo de Futebol Masculino, a Fifa arrecada valores extremamente expressivos. Como forma de reinvestir essas quantias no próprio futebol, a entidade lançou, em 2016, o Fifa Forward.
Trata-se de um projeto que busca fornecer as condições essenciais para o desenvolvimento do futebol ao redor do mundo, seja com aconselhamentos ou, principalmente, com auxílio financeiro.
O referido projeto é organizado por meio de ciclos, sempre acompanhando os períodos entre Copas do Mundo de Futebol Masculino. Com efeito, o primeiro ciclo aconteceu entre 2016 e 2018, o segundo entre 2019 e 2022, e o terceiro teve início há poucos meses e se encerrará em dezembro de 2026.
O Fifa Forward tem como um de seus traços determinantes a possibilidade de adaptação a cada caso. Assim, nem é fácil descrever (ou até mesmo vislumbrar) todo o potencial do projeto. Afinal, as verbas podem ser utilizadas para funções diversas, tais como custear a operação das associações nacionais, realizar novas competições ou até mesmo melhorar a infraestrutura local.
Inclusive, como forma de prestigiar essa pluralidade, a Fifa instituiu, recentemente, uma premiação às melhores aplicações do projeto. Em sua primeira edição, foram premiados os projetos da Moldávia (que construiu um estádio de futebol de praia conversível em grama sintética), da Armênia (que construiu 89 campos ao redor do país) e de Andorra (que construiu um centro de treinamento nacional).
Seja como for, podem ser beneficiárias de tais verbas, em regra, associações nacionais membras da Fifa (como a Confederação Brasileira de Futebol (CBF)), confederações reconhecidas pela Fifa (como a Confederação Sul-Americana de Futebol (Conmebol)) e associações regionais reconhecidas por determinada confederação.
Para que se tenha em mente o potencial do projeto, cada associação nacional pode receber, ao longo do terceiro ciclo do programa, até US$ 8 milhões. Mais especificamente, podem receber até US$ 5 milhões para custos operacionais e até US$ 3 milhões para projetos específicos.
Como exemplos de projetos específicos, a própria Fifa menciona a realização de obras de infraestrutura, o desenvolvimento de campeonatos, a realização de cursos para capacitação profissional daqueles que trabalham com futebol, o incentivo às seleções nacionais e os subsídios para desenvolver o esporte em regiões específicas.
Além disso, mesmo para receber as verbas destinadas aos custos operacionais, as associações nacionais devem cumprir com uma série de requisitos, tais como organizar competições femininas em ao menos duas categorias de base.
Dessa forma, é evidente a contribuição que o Fifa Forward pode ter para o desenvolvimento da modalidade.
Já as confederações podem receber, ao longo dos quatro anos do terceiro ciclo, até US$ 60 milhões. Tais verbas poderiam ser destinadas, por exemplo, a desenvolver e aprimorar competições internacionais femininas, seja na categoria profissional ou nas categorias de base, no âmbito da Conmebol.
É preciso reconhecer que a obtenção desses valores não é tão simples. Afinal, aqueles que os pretendem devem apresentar projetos elaborados à Fifa, devendo também cumprir com ritos burocráticos. É ainda digno de nota que a Fifa tem aumentado a fiscalização sobre o tema, de forma a evitar fraudes.
No entanto, tendo em vista que a falta de recursos é constantemente apontada como um entrave ao desenvolvimento do futebol feminino, não se pode deixar de discutir e estudar a viabilidade de utilizar o Fifa Forward para o crescimento da modalidade, seja pela CBF ou pela Conmebol.
Segundo dados divulgados pela Fifa, ao longo do ciclo 2.0 do Fifa Forward (que ocorreu entre 2019 e 2022), o Brasil apenas se valeu de verbas para o custeio de despesas operacionais. Em outras palavras, não foi realizado nenhum projeto específico local, o que demonstra o espaço que temos para utilizar melhor essa via.
Cabe a nós, então, fazer mais do que apenas acompanhar nossa seleção feminina e replicar comentários rasos acerca do desenvolvimento da modalidade, refletindo sobre possíveis caminhos concretos para o progresso do futebol feminino brasileiro.
Alice Laurindo é graduada na Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo, em que cursa atualmente mestrado na área de processo civil, estudando as intersecções do tema com direito desportivo; atua em direito desportivo no escritório Tannuri Ribeiro Advogados; é conselheira do Grupo de Estudos de Direito Desportivo da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo; membra da IB|A Académie du Sport; e escreve mensalmente na Máquina do Esporte