No mais recente texto da minha coluna aqui, na Máquina do Esporte, expus os critérios adotados pelo Comitê Olímpico do Brasil (COB) para o repasse de recursos às confederações filiadas, que se dividem em aspectos relacionados a resultados esportivos e à gestão das entidades beneficiadas. Em função dessa influência de elementos da gestão esportiva, os estatutos das entidades que lhe são filiadas assumem grande relevância na avaliação do COB.
Antes de avançar no tema, inicialmente cabe ressaltar que a absoluta maioria das entidades esportivas no Brasil se constitui sob a forma de associação: uma pessoa jurídica que, conforme definição do artigo 53 do Código Civil, se constitui “pela união de pessoas que se organizam para fins não econômicos”. Assim, as associações se distinguem das sociedades empresárias (as sociedades limitadas, as sociedades anônimas, dentre outras), que têm essencialmente fins lucrativos.
No atual contexto do esporte brasileiro, é proporcionalmente muito baixa (embora crescente) a quantidade de entidades esportivas constituídas como sociedades empresárias. Os casos mais comuns são os dos “clubes-empresa”, em meio aos quais têm se destacado especialmente as Sociedades Anônimas do Futebol (SAFs), a partir da publicação da Lei nº 14.193/2021.
Por sua vez, todas as confederações filiadas ao COB são associações civis, o que se explica por diversos fatores:
- Uma característica inerente ao sistema no qual cada esporte se estrutura, classicamente baseado em cadeias associativas entre seus integrantes (assim, federações estaduais são associadas de uma confederação, que é filiada à respectiva federação internacional);
- Benefícios fiscais destinados pela legislação brasileira às associações; e
- Acesso mais amplo a recursos públicos.
Sobre esse último aspecto, vale lembrar que as SAFs também têm direito a se beneficiarem da Lei de Incentivo ao Esporte (LIE), mas são entidades “cuja atividade principal consiste na prática do futebol”. Portanto, a princípio, entidades de administração do esporte (federações e confederações) e entidades de prática de outras modalidades não podem se constituir como SAF.
Nos termos do Código Civil, o estatuto é o instrumento pelo qual uma associação (de natureza esportiva ou não) estabelece as principais regras regentes do seu funcionamento. Neste documento se estipulam, por exemplo (mas não se limitando a): o nome, os fins e a sede da entidade; quem são os associados da entidade, como são admitidos e demitidos, e quais seus respectivos direitos e deveres; as fontes de recurso para manutenção da entidade; como se dá a prestação de contas das atividades realizadas; e quais são os órgãos deliberativos, suas competências e as normas principais sobre seu funcionamento.
Esse último aspecto é especialmente importante para a gestão da entidade esportiva. A escolha por diferentes modelos de órgãos deliberativos, bem como sobre a distribuição de competências entre eles, reflete diretamente as pretensões de uma associação acerca da forma como pretende se organizar.
O atual movimento no contexto das confederações aponta para a recorrente escolha pela descentralização de poderes. Distanciando-se do modelo de concentração de competências no presidente da entidade, essas entidades têm cada vez mais adotado sistemas de organização interna que contam com a ativa participação de um órgão colegiado no planejamento estratégico e/ou da gestão, usualmente sob a forma de um Conselho de Administração.
Isso não significa que o presidente não mantenha suas próprias atribuições, as quais são essenciais para a representação e a administração de uma confederação com a devida agilidade. Contudo, tem sido usual que as decisões acerca de determinados temas de interesse da entidade sejam compartilhadas com (ou mesmo transferidas a) um órgão colegiado, especialmente sob a perspectiva do planejamento estratégico.
São diversas as formas pelas quais as confederações estruturam seus respectivos Conselhos de Administração (ou órgãos colegiados similares), mas pelo menos duas características vêm se destacando como recorrentes nesse contexto de aperfeiçoamento da governança das entidades nacionais de administração do desporto.
Em primeiro lugar, salta aos olhos o fato de o órgão não ser eleito como parte de uma chapa conjunta com presidente e vice-presidente(s) da entidade, em oposição ao modelo mais utilizado anteriormente, em que até mesmo o Conselho Fiscal, órgão essencial de fiscalização interna, integrava a chapa candidata. Atualmente, há inclusive confederações que realizam as eleições para o Conselho Fiscal em anos alternados em relação às eleições para a Presidência e o Conselho de Administração (a exemplo do que faz o COB), ampliando a desvinculação dos órgãos de administração da entidade em relação àquele responsável por fiscalizá-los.
Em segundo lugar, destaca-se a pluralidade entre os membros desse órgão colegiado. Ainda que não haja uma regra universal para sua composição (em relação à quantidade de membros e às suas qualificações, por exemplo), não raramente se incluem membros independentes, representantes das federações estaduais e representantes dos atletas. A propósito desses últimos, vale lembrar a importância da Lei nº 12.868/2013, que incorporou à Lei Pelé condições de participação dos atletas em colegiados de direção das entidades esportivas que pretendessem se beneficiar de recursos públicos federais (o que inclusive deve ser preservado com a publicação da nova Lei Geral do Esporte).
Mas não foi apenas a legislação federal que contribuiu para essa mudança de paradigma na organização das entidades esportivas. Iniciativas privadas, como o Rating Integra, colaboram com o incentivo às boas práticas de governança, integridade e compliance. Especificamente em relação às confederações, o COB também exerce papel relevante nesse movimento.
Isso porque já há alguns anos foi implementado o Programa Gestão, Ética e Transparência (“Programa GET”), por meio do qual as confederações são avaliadas em relação ao nível de sua governança. Não por acaso, a existência de um Conselho de Administração é um dos (muitos) fatores analisados, incluindo aspectos relacionados ao seu funcionamento (por exemplo, a frequência com que se reúne), à sua composição e à sua competência.
Mas a relevância do Programa GET é ainda maior à medida que o resultado da sua avaliação é um dos fatores de definição do montante anual a ser repassado a cada confederação, conforme exposto na última coluna que escrevi e que citei no início deste texto. Assim, o aperfeiçoamento da gestão das confederações, que se reflete significativamente em seus estatutos, tem impacto direto em seu orçamento.
Por isso, o cuidado na elaboração e constante atualização dos estatutos das entidades esportivas constituídas como associações (e, em especial, das confederações) é fundamental para o seu bom funcionamento. Não apenas por se tratar de um instrumento essencial à organização de uma associação, mas também porque seu teor reflete as escolhas da entidade quanto à forma pela qual se dará sua gestão. E, nesse sentido, o contexto do esporte nacional requer cada vez mais a adoção de boas práticas de governança, o que depende, em boa parte, do que se dispõe no estatuto.
Pedro Mendonça é advogado especializado na área esportiva desde 2010, com vasta experiência na assessoria a diversas entidades esportivas, como comitês, confederações e clubes, além de atletas, e escreve bimestralmente na Máquina do Esporte