O duelo aberto entre Cruzeiro e Minas Arena, a administradora do Estádio do Mineirão, só existe pelo fato de o clube ter se tornado empresa. Não fosse o time mineiro uma Sociedade Anônima do Futebol (SAF), essa disputa estaria fadada a declarações para a torcida de dirigentes sem vocação para negócios.
Ronaldo, dono da SAF do clube, usou seu próprio canal na Twitch para explicar os motivos de o Cruzeiro ter trocado o Mineirão pelo Independência em 2023. E as razões dadas pelo ex-jogador e hoje dirigente são absolutamente plausíveis.
O Cruzeiro tem, no acordo com o Mineirão, o direito de usar o estádio. E suas receitas ficam praticamente restritas à bilheteria do público presente no dia do jogo. O problema é que isso significa a menor porcentagem de arrecadação dentro de uma partida.
O Mineirão foi construído dentro do “Padrão Fifa” de estádios. Isso significa um estádio que é formatado para ter mais de 50% de sua receita proveniente da exploração comercial de camarotes, vagas de estacionamento e venda de alimentos e bebidas.
É uma fórmula inventada pelos americanos nos anos 1990 e replicada por todas as arenas modernas. Ainda mais por aquelas que foram especialmente construídas para grandes eventos, como uma Copa do Mundo.
Brasil tem baixa capacitação do gestor de arena
O problema é que, no mercado brasileiro, a modernização dos estádios chegou antes da maturidade do gestor esportivo. A Copa do Mundo e os Jogos Olímpicos forçaram uma melhora nos nossos equipamentos esportivos, mas os dirigentes de clubes e entidades não estavam prontos para isso.
Foi isso que permitiu com que tivéssemos contratos pavorosos firmados entre clubes e as empresas gestoras dos estádios. Sem entender que a receita de bilheteria é a menor fatia do bolo de receita de um estádio, nossos cartolas assinaram acordos que são pouco rentáveis para os clubes.
Os antigos acordos do Maracanã, da Fonte Nova, da Arena Corinthians (agora Neo Química Arena) e do Mineirão foram a regra, literalmente, nesta primeira década dos novos estádios. Até que a profissionalização começou a chegar dentro dos clubes. Não apenas nos gestores do dia a dia, mas no comando dessas entidades.
Uma nova mentalidade com a SAF
Com o início da era das SAFs, o debate começa a ficar ainda mais profissional. E o Cruzeiro é o primeiro clube a mostrar esse outro caminho. O clube não quer mais ingressos para a torcida, mas participação nas receitas mais significativas de um estádio de futebol.
Sendo o principal usuário do estádio, o Cruzeiro sabe de sua força. Afinal, os camarotes são vendidos em sua maioria por causa do clube, o estacionamento lota e os bares vendem bastante por conta da torcida cruzeirense. Por que não ficar também com uma parte dessa arrecadação?
Conhecer onde estão as fontes de receita e saber negociar sem simplesmente “jogar para a torcida” passam a ser uma nova tônica dentro do futebol brasileiro. O Cruzeiro está correto em exigir mais do Mineirão. Já que o clube entende que precisa fazer o melhor negócio para ele, não precisa jogar para a torcida.
Será que estaríamos tendo uma discussão nesse nível se o Cruzeiro não fosse uma SAF? Esse é o lado bom que o clube-empresa traz para o futebol brasileiro.
Erich Beting é fundador e CEO da Máquina do Esporte, além de consultor, professor e palestrante sobre marketing esportivo