Comentários iniciais sobre as decisões da Câmara Nacional de Resolução de Disputas

Apesar da eliminação precoce do Brasil na Copa do Mundo de 2022, nem tudo são más notícias para o futebol brasileiro neste final de ano. Afinal, em 19 de dezembro, a Câmara Nacional de Resolução de Disputas (CNRD) da Confederação Brasileira de Futebol (CBF) divulgou decisões datadas de 2018 a 2021. Foi um verdadeiro presente de Natal a todos que se interessam pelo direito desportivo.

Com efeito, esses documentos podem servir de ferramenta e de aprendizado para profissionais do direito, estudiosos ou atores do mercado esportivo – como funcionários e dirigentes de clubes, atletas, técnicos e membros de comissão técnica ou intermediários. Assim, para que esse potencial não passe despercebido, esta coluna expõe alguns comentários iniciais acerca das decisões divulgadas.  

Como discutido em colunas anteriores, a CNRD é um órgão ligado à CBF que visa a contribuir para a garantia de aplicação de seus regulamentos. Em especial, os procedimentos analisados por essa câmara estão relacionados com o Regulamento Nacional de Intermediários (RNI) e o Regulamento Nacional de Registro e Transferência de Atletas de Futebol (RNRTAF). Os procedimentos da CNRD são confidenciais. No entanto, seu regulamento autoriza a publicação, integral ou parcial, das decisões que se julgar pertinentes, contanto que sejam descaracterizadas.

Até então, porém, poucas decisões haviam sido divulgadas, restando certo mistério acerca da atuação da CNRD. Em novembro de 2019, a câmara divulgou as decisões proferidas em 2017. Além disso, parte dos entendimentos da CNRD havia sido exposto através do Boletim n. 1 da CNRD, divulgado em junho de 2020 e disponível aqui.

Todavia, em 19 de dezembro, a CNRD deu um passo muito importante em direção à publicização de seus entendimentos. Afinal, a Câmara divulgou, ao total, 90 decisões de medidas de urgência, 243 sentenças (parciais ou finais) e 75 decisões sobre pedidos de esclarecimentos, tudo emitido entre 2018 e 2021. Todos esses documentos estão disponíveis no Portal de Governança da CBF.

Isso certamente facilitará a atuação dos advogados que atuam na CNRD. O conhecimento de decisões anteriores da câmara ajuda a prever o resultado de novos casos, orientando a melhor estratégia a ser aplicada.

Destaque-se, nesse contexto, o fato de que pode proporcionar, até mesmo, a entrada de profissionais no mercado, diminuindo os privilégios daqueles que já estão acostumados com os entendimentos da CNRD.

Além disso, trata-se de medida inegavelmente importante para estudiosos do direito desportivo. Tais decisões podem ser abordadas e discutidas por grupos de estudos, bem como serem objeto de trabalhos acadêmicos.

Mas, como se não bastasse, esta coluna pretende destacar a importância que essa divulgação pode ter para os próprios atores do mercado desportivo. Afinal, a medida possibilita que funcionários e dirigentes de clubes, atletas, técnicos e membros de comissão técnica ou intermediários, dentre outros, conheçam seus direitos e saibam a interpretação que a CNRD costuma dar ao RNI e ao RNRTAF.

Consequentemente, o conhecimento dos entendimentos da CNRD pode pautar a atuação de tais atores, de modo a aumentar suas chances de êxito em eventual litígio posterior.

As decisões divulgadas deverão ser calmamente analisadas por todos os interessados. Naturalmente, isso demandará estudos futuros, bem como esforços para a divulgação desses entendimentos ao próprio mercado do esporte. Trata-se, pois, de tema que deverá aparecer nas colunas posteriores.

Apesar disso, para dar início a esse debate, é possível já destacar alguns elementos interessantes dos documentos divulgados:

  1. A CNRD não concede, em seus processos, os benefícios da justiça gratuita, de modo que sempre deve haver o recolhimento de custas para os processos que tramitam nessa câmara;
  2. Os processos devem ser propostos na CNRD em até dois anos de seu fato gerador. No caso de cobrança de valores parcelados, entende-se que esse prazo decorre da data de vencimento de cada parcela;
  3. O registro na CBF do contrato de representação – documento por meio do qual os intermediários são contratados – não é condição de sua validade, mas tão somente forma de tornar essa contratação pública a terceiros. Em outras palavras, o não registro não é justificativa para o descumprimento contratual;
  4. Não é necessário assinar contrato escrito de representação ou de comissão, embora seja recomendável. Afinal, é possível a cobrança de valores ajustados verbalmente, contanto que haja comprovação do ajuste;
  5. O rebaixamento de um clube não pode ser utilizado como justificativa para o inadimplemento de obrigações financeiras;
  6. Exige-se, para cobrança de comissão por intermediário, que esse agente tenha atuado de forma determinante na conclusão da operação. Isso é, o intermediário deve ter efetivamente prestado serviços que culminaram na transferência em questão ou na celebração de contrato de trabalho e/ou de imagem entre um clube e um atleta;

Assim, como visto, a CNRD, de forma louvável, divulgou documentos extremamente interessantes para todos os que se interessam por direito desportivo. Cabe a nós, agora, aproveitá-los e extrair deles todo o potencial possível.

Alice Laurindo é graduada na Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo, em que cursa atualmente mestrado na área de processo civil, estudando as intersecções do tema com direito desportivo. Atua em direito desportivo no escritório Tannuri Ribeiro Advogados. É conselheira do Grupo de Estudos de Direito Desportivo da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo e membra da IB|A Académie du Sport.

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