Nas últimas semanas, uma pergunta tem aparecido repetidamente em conversas com executivos do esporte: como reter e, principalmente, escalar a receita gerada pelos fãs?
A discussão parece nova, mas ela nos traz de volta a um tema que já abordei aqui: o Arpu, valor médio gerado por cada torcedor. E, junto dele, um conceito que o esporte ainda explora muito pouco: a recorrência.
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O setor segue condicionado ao placar. Ganhar para vender camisa, ganhar para lotar estádio, ganhar para fechar patrocínio, ganhar para atrair marcas e audiência. Mas a pergunta que nenhum clube deveria ignorar é: o que acontece quando não se ganha dentro de campo?
Se a tese de negócio depende exclusivamente do resultado esportivo, ela está construída sobre areia movediça. Não há projeto sustentável que viva apenas do gol. Até porque nem sempre a bola entra.
Menos audiência massiva, mais valor real
Existe uma crença perigosa no esporte, que já foi desmistificada em outros setores e indústrias: a de que volume de seguidores é sinônimo de valor. Não é. Aliás, cada vez menos. Seguidores são atenção, um começo importante da conversa. Por outro lado, fãs cadastrados com dados, relacionamento e recorrência são sinônimos de valor real.
Se organizações esportivas resolverem entrar em uma guerra franca de grandes volumes de audiência, sempre perderão para quem se dedica especificamente para isso, como os grandes conglomerados de mídia, afinal seu fã também está consumindo conteúdo e investindo sua atenção por lá. O que uma organização esportiva tem de diferencial é justamente a capacidade de construir uma relação única e genuína com esse fã.
Desse modo, é mais estratégico contar com 50 mil fãs identificados com comportamento conhecido, jornada clara e capacidade real de ativação do que atingir 5 milhões de seguidores que a organização esportiva não consegue monetizar porque não sabe quem são, o que consomem e quanto valem, não tendo sequer a possibilidade de se comunicar de forma individualizada e personalizada.
Se profissionais do esporte não são capazes de entender o que os fãs esperam de sua organização, tampouco serão capazes de alinhar as expectativas do que essa organização pode esperar do fã e, assim, pavimentar os meios para que essa expectativa seja atingida.
O que existe além do ingresso e do programa de sócio?
Outra armadilha recorrente no esporte é a limitação do entendimento do que realmente significa “monetizar torcedor”. Para muitos, a equação ainda se resume a ingressos, camisas e um programa de associação. Mas o torcedor moderno busca algo maior: pertencimento contínuo.
E isso abre espaço para uma nova fronteira de produtos e serviços: experiências personalizadas, benefícios, produtos financeiros, conteúdo exclusivo, pacotes integrados de matchday, ativações inteligentes com marcas e programas de fidelidade, enfim, tudo aquilo que conecta clube e torcedor para além do jogo.
A lógica deixa de ser transação. Passa a ser relação. Com o entendimento do que o fã espera e provendo os meios certos, a transação vem com naturalidade e recorrência.
Ouvir antes de falar
Só existe recorrência onde existe relevância. E a relevância nasce de uma escolha que o esporte ainda tem dificuldade: ouvir mais do que falar.
Antes de tentar vender mais, é preciso perguntar:
- O que o torcedor realmente espera do clube?
- Por que ele não vai ao estádio frequentemente?
- Por que o sócio não compra na loja?
- Por que o torcedor ocasional não se associa?
Entender expectativas é o início de tudo e é também o caminho para alinhar o que o torcedor quer com o que o clube pode e pretende oferecer. Essa escuta não é pesquisa pontual para relatório anual; é uma máquina permanente de entendimento e construção conjunta. Essa máquina precisa ser analisada, entendida e ajustada diariamente. Ela é o coração de uma organização esportiva que vive do valor gerado pela sua audiência. Sem essa máquina em constante crescimento e aprendizado, o que acontece dentro do campo ou da quadra perde o sentido de existir.
Clube que conversa aprende.
Clube que aprende entrega.
Clube que entrega retém.
E clube que retém monetiza.
Simples assim. Mas, na mesma medida da simplicidade, raro de ver funcionando.
Este é só o começo dessa conversa
Este texto não encerra o debate. Ele abre. Ele é um convite para que organizações esportivas, profissionais, startups e empresas do setor tragam seus pontos de vista, e o esporte se una em torno de melhores processos para monetização na nossa indústria.
Os clubes que assumirem essa agenda agora estarão na frente: com maior Arpu, maior LTV (receita média gerada por um torcedor a um clube ao longo de todo o relacionamento entre as partes) e menor CAC (custo de aquisição de clientes), há mais retenção e um modelo de receita que independe de resultados competitivos (mas pode, claro, ser incrementado por eles).
Porque o esporte continuará sendo paixão, mas o negócio precisa ser ciência.
Nas próximas colunas, vamos aprofundar esse caminho e explorar formatos de trabalho, casos de sucesso e modelos para transformar torcida em recorrência e recorrência em valor. Mas, por agora, fica uma premissa fundamental: no esporte, quem escuta mais, monetiza melhor.
O artigo acima reflete a opinião do colunista e não necessariamente a da Máquina do Esporte
Vitor Marini é profissional de marketing com mais de uma década de experiência liderando projetos de mídia digital e dados para grandes anunciantes do país, como Samsung e Ford, entre outros. Atualmente, é CEO da Retize, a primeira sports media network (rede de mídia esportiva, em tradução livre) do país, que ajuda os clubes esportivos a transformarem as interações digitais dos fãs em receita no mercado publicitário e também auxilia na conexão das marcas aos seus clientes por meio do esporte e dos games
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