Recentemente, tenho visto muitas discussões sobre a escalada de valor na questão dos direitos de transmissão. A pergunta do título desta coluna sempre é a que se tenta responder, mas até agora não vi nenhuma resposta convincente que me fizesse mudar de opinião. Não tenho a pretensão de ser a pessoa que irá respondê-la, mas gostaria de apresentar alguns pontos que não foram apontados em nenhuma das discussões que acompanhei.
Quando se fala em “a conta fechar”, quais são os parâmetros que são levados em conta? Na verdade, aqui já está o primeiro ponto que pode derrubar a maioria das argumentações. Os modelos de negócio desenvolvidos pelas diferentes plataformas nem sempre são os mesmos. Plataformas iguais, como os streamings ou os canais de TV por assinatura, podem ter estratégias diferentes de monetização, dando mais peso a um ou outro.
Um exemplo prático: o Canal A pode ter uma estratégia comercial em que 50% da receita deve ser proveniente de assinaturas e os outros 50% de publicidade/patrocínio. E o seu concorrente, o Canal B, pode ter 70% vindo de assinaturas e apenas 30% de publicidade. Ou seja, no Canal B, a dependência da publicidade é menor, portanto as cotas podem ser vendidas a valores menores que, somadas ao pedacinho da receita de assinatura alocada para determinado evento, fazem com que a conta feche. Mas a maioria das análises considera apenas a receita com publicidade, o que pode gerar a distorção desta análise, uma vez que a publicidade quase nunca paga a conta sozinha.
Em conversa com um executivo de uma destas plataformas recentes, ele me explicou que há uma leve desvantagem para o esporte em um fator muito importante de análise destes dados. Normalmente, a análise de atração de novos assinantes é baseada no primeiro conteúdo assistido após a assinatura. No entanto, nem sempre a pessoa assina uma plataforma justamente no momento de início de um jogo importante, portanto ela acaba assistindo a um outro conteúdo (uma série ou um filme) enquanto aguarda o início do jogo que tem hora certa para começar. A tal série ou o tal filme levam o crédito da “atração” de um novo assinante, sem necessariamente ser verdade.
Exemplo prático: um indivíduo assina a HBO Max em uma semana em que há rodada da Champions League. Contudo, ele assinou no domingo, e a rodada só começa na terça-feira. Nesse intervalo entre a assinatura e o início do jogo, este novo assinante deseja explorar um pouco mais a plataforma e fazer valer o seu investimento, dando o primeiro clique, por exemplo, em “Game of Thrones”. Foi a série que inicialmente trouxe este novo assinante para a plataforma? Não, mas ela acaba se beneficiando por estar lá disponível, a qualquer momento.
Agora, pensando pelo outro lado e utilizando o mesmo exemplo, a série Game of Thrones seria um fator melhor de retenção deste mesmo assinante do que a Champions League? Acredito que não, porque o usuário pode assinar a plataforma por um mês, entrar, assistir a todos os episódios disponíveis, cancelar o serviço e voltar a fazer o mesmo quando uma nova temporada estiver disponível. Já a Champions, por estar exclusivamente na HBO Max, acaba retendo o assinante por mais tempo, uma vez que, para assistir a todos os jogos ao vivo, ele precisa manter sua assinatura ativa por cerca de 9 a 10 meses.
Que parte do valor da assinatura deste cliente foi direcionada a pagar os direitos da Champions League e que parte foi direcionada para pagar por Game of Thrones? Quanto a Champions vendeu de publicidade e quanto Game of Thrones vendeu de publicidade? Estão vendo? A análise precisa ir muito mais a fundo para podermos afirmar que a conta fecha ou não fecha.
Ainda existe um outro ponto interessante que é a venda “empacotada” ao anunciante. O que deixa ainda mais difícil definir as alocações para cada produto.
Agora, vou usar os canais ESPN como exemplo. A Disney não vende um pacote de publicidade apenas para a Premier League, outro para a LaLiga e assim por diante. Eles vendem um pacote “Futebol”. Prometem ao anunciante um volume total de jogos com uma audiência média e entregam uma lista de ativos que podem ser explorados pelo anunciante (vinheta de abertura, comercial 30”, selo, foguete, etc.). Então, ao vender um pacote de Premier League, LaLiga, Libertadores, Sul-Americana, entre outros, quanto de cada cota é alocada para cada produto? Obviamente que os executivos da ESPN/Disney têm isso muito claro dentro de sua estratégia, mas nós, aqui, do lado de fora, enxergamos apenas que a Premier League custou X milhões de dólares, as cotas que são veiculadas nos jogos da Premier League foram vendidas por Y milhões de reais e, portanto, a conta final não fecha.
Mas e quanto os canais ESPN alocam da assinatura que recebem de seus assinantes de TV paga e do Star+ para ajudar a pagar a conta da Premier League? Repito: tenho certeza de que, lá dentro da ESPN, todos têm isso muito claro, mas aqui fora, sem muitos destes dados, fica quase impossível fazer esta análise e afirmar que a conta fecha ou não fecha.
Focando apenas no streaming, arrisco dizer que grande parte da conta, mais de 80%, é paga somente pelas assinaturas, então a conversão e principalmente a manutenção de novas assinaturas são os carros-chefes da receita recorrente para todas as plataformas. Considero equivocada a análise que afirma que determinada plataforma está no prejuízo porque vendeu pouca publicidade, uma vez que a estratégia é vender assinatura, e não publicidade.
Muito tem se falado também que a Netflix é uma das poucas ou até a única plataforma que hoje dá lucro, pois não tem transmissão de esporte ao vivo. Mas precisamos novamente voltar no tempo e entender durante quantos anos a Netflix teve prejuízo para chegar ao ponto atual.
A Netflix explorou durante muitos anos o universo do streaming como um “Oceano Azul”, sem nenhum tipo de concorrente, e mesmo assim os resultados da empresa eram de prejuízo constante. Apenas recentemente vimos a receita superar as despesas. Todas as outras plataformas vieram depois, muito depois, e acabaram usando um pouco dos erros e acertos da Netflix para poder crescer.
Como afirmei anteriormente, não se pode afirmar que o esporte é o grande vilão do prejuízo das plataformas de streaming e/ou canais de TV por assinatura, pois a matemática é bem mais complexa do que o 1+1=2. Mas afirmo, sem medo de errar, que o esporte é, sem dúvida, o maior fator de retenção de assinantes e usuários de qualquer plataforma, porque o esporte continua sendo o único conteúdo que faz com que as pessoas continuem assistindo na hora em que ele ocorre. Todo o restante quem escolhe a hora de assistir é o assinante.
Não dá para assistir a uma temporada do Campeonato Brasileiro, da Champions League ou da Premier League em um mês de assinatura. Para acompanhar o conteúdo esportivo ao vivo, é necessário uma assinatura bem mais longeva e duradoura. E é exatamente por conta de toda esta matemática que podemos dizer que, sim, a conta fecha, sim.
Evandro Figueira é vice-presidente da IMG Media no Brasil e escreve mensalmente na Máquina do Esporte