A entrevista com Gustavo Oliveira, vice-presidente de comunicação e marketing do Flamengo, foi daquelas que, já durante o Maquinistas, se sabia que traria muita repercussão. Com maestria, Gustavo colocou o dedo na ferida da discussão sobre a formação de uma liga de clubes no Brasil.
Ao explicar por que o Flamengo não aceitará o valor proposto pelo fundo de investimentos Mubadala para comprar um percentual da Libra, o dirigente escancarou a realidade que atravanca todo o desenvolvimento do futebol como negócio no Brasil.
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O Flamengo não precisa do acordo. Ou melhor, o acordo é péssimo para ele. Mas também é para São Paulo, Palmeiras, Corinthians, Vasco, Botafogo, Fluminense, Bahia, Sport, Remo, Paysandu, Náutico…
Enfim.
Para qualquer clube que disputa alguma divisão nacional do futebol tupiniquim, vender, por 50 anos, 20% direitos comerciais das Séries A e B do Brasileirão pelos valores que foram ofertados até agora soa como uma ofensa.
“Se você divide pelo período de duração do contrato, dá R$ 4 milhões ao ano. Então, multiplica por cinco para fazer o valuation, e teremos R$ 20 milhões anuais. São valores muito pequenos para esse mundo espetacular que é o futebol brasileiro”.
Foi dessa maneira que Gustavo procurou justificar a recusa do Flamengo por uma proposta que beira o recebimento de R$ 200 milhões quase que à vista em troca da cessão de 20% dos direitos comerciais do Brasileirão.
Logicamente é fácil ser o clube que mais fatura no Brasil e desistir de um negócio desses. Difícil é para um time que está na Série B ou C, sem perspectiva de faturamento alto, recusar valores menores do que esses, mas tão significativos quanto.
E é exatamente essa situação tão distinta dentro do nosso futebol que torna uma utopia a pretensa união dos clubes em torno de um único negócio.
Desde novembro de 2021, batemos na tecla de que não haverá consenso. Fomos, nessa época, o primeiro veículo a noticiar que a tal liga de clubes seria dividida em dois blocos comerciais muito heterogêneos e com representatividades distintas. E que isso era levar um pouco mais para o fundo do poço o futebol brasileiro.
Mas a “culpa” não é da soberba do Flamengo, ou do desespero de outros clubes pelo crédito para negativado.
O problema é que, hoje, só na base da canetada forçaremos os clubes a se unirem por uma causa maior, que é o produto futebol brasileiro.
Foi assim na França, na Itália, na Espanha e está sendo em Portugal. Países que também conviviam com clubes endividados e outros bilionários. Que tinham direitos de mídia que incentivavam a venda individual em detrimento da coletiva. Que tinham dirigentes com pouco ou quase nenhum conhecimento técnico sobre o negócio da mídia, mas com ampla necessidade de ter dinheiro na mão para ontem.
O Flamengo não foi Malvadão. Ele só escancarou como é utopia pensar em uma unidade dentro do futebol brasileiro.
Erich Beting é fundador e CEO da Máquina do Esporte, além de consultor, professor e palestrante sobre marketing esportivo