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O Ajax e a formação integral no futebol: Desenvolvimento humano, excelência esportiva e sustentabilidade econômica

Ana Teresa Ratti ao lado de Casimir Westerveld, head de desenvolvimento de atletas do Ajax - Arquivo Pessoal

No universo do futebol, esporte mais popular do planeta, milhões de jovens alimentam diariamente o sonho de se tornarem atletas profissionais. No entanto, as estatísticas não deixam margem para dúvidas: a imensa maioria desses jovens não atingirá o mais alto nível de rendimento esportivo. Essa realidade, ainda que dura, impõe uma responsabilidade social a todos os atores envolvidos com a formação de atletas, especialmente aos clubes. Assim, investir na formação integral dos jogadores, ou seja, no desenvolvimento não apenas técnico e físico, mas também cognitivo, emocional, social e cultural, é uma abordagem que transcende a justiça com esses jovens: pode ser também altamente eficiente e rentável.

O Ajax, clube holandês que é um dos mais tradicionais do mundo, é um exemplo emblemático dessa correlação entre desenvolvimento humano, excelência esportiva e sustentabilidade econômica.

A filosofia de formação do Ajax parte do reconhecimento de que o jogador é, antes de tudo, uma pessoa. Em uma conversa com Casimir Westerveld, head de desenvolvimento de atletas do clube, essa visão ficou evidente.

“Temos provado que somos capazes de identificar e selecionar jogadores talentosos para nossas equipes de base. Em seguida, criamos um ambiente que equilibra uma cultura esportiva de alta performance, em que tanto o futebolista quanto a pessoa em si são desenvolvidos com treinadores e equipe de apoio de alta qualidade, instalações excelentes e os melhores jogadores para treinar e competir juntos”, explicou.

Esse compromisso com o indivíduo está presente em cada detalhe da metodologia do clube. A formação escolar, por exemplo, é parte estruturante do processo.

“Os jogadores precisam se desenvolver de forma ampla. Eles devem ser desafiados dentro e fora de campo. A educação é, portanto, uma parte importante do desenvolvimento. Buscar uma formação escolar também oferece uma rede de segurança: se o jogador não se tornar profissional, terá um diploma para construir uma carreira fora do futebol”, reforçou Casimir.

A estratégia de moradia dos atletas que vêm de fora é outro exemplo de cuidado humano aplicado à prática esportiva. Em vez de alojamentos coletivos, o Ajax opta por famílias anfitriãs.

“Não queremos sobrecarregar os jogadores que vêm de longe com um tempo excessivo de deslocamento. Para os atletas internacionais, buscamos ajudá-los a se adaptar da melhor maneira possível. Por isso, trabalhamos com famílias anfitriãs, que conhecem o Ajax e entendem o que significa receber atletas de elite. Como resultado, os jogadores são bem cuidados e apoiados, e conseguem aprender mais rapidamente a cultura, o idioma e os costumes locais”, explicou.

Esse conjunto de práticas gera resultados concretos. O Ajax lidera rankings europeus em número de jogadores formados atuando nas principais ligas, segundo o CIES Football Observatory. E colhe frutos esportivos e financeiros: nomes como Frenkie de Jong, Matthijs de Ligt, Donny van de Beek e Jurriën Timber, todos formados no clube, foram vendidos por valores que ultrapassam centenas de milhões de euros. Isso demonstra que formar atletas de maneira integral não apenas é mais justo, como pode ser altamente lucrativo.

Além disso, a transição da base para o profissional, que no Ajax é valorizada e estruturada, ainda pode ser considerada estratégica. O clube se destaca também no “Índice de Formação”, uma avaliação que analisa o desenvolvimento e a transição dos atletas das categorias de base para o profissional. No Ajax, essa transição é considerada fundamental para o sucesso contínuo do clube.

“Nossa academia é o coração do clube. Há décadas formamos jogadores para o time principal. O Ajax não tem os recursos financeiros para simplesmente comprar os melhores jogadores. Está no nosso DNA desenvolver talentos e dar oportunidades no time principal. Os jovens da base são valorizados pelos nossos torcedores”, enfatizou Casimir.

É importante destacar que a formação de atletas com visão ampla, domínio de idiomas, capacidade de comunicação, gestão financeira e leitura crítica do mundo não os torna menos focados no esporte. Pelo contrário. Um jovem com maior repertório intelectual e emocional tende a ter mais estabilidade psicológica, tomar melhores decisões sob pressão e lidar de forma mais madura com a fama, as críticas e as adversidades naturais da carreira de atleta profissional de alto rendimento.

Em um cenário em que o futebol se torna cada vez mais complexo, globalizado e multimilionário, limitar-se à formação técnica tradicional já não é suficiente. Os centros de formação esportiva com foco no alto desempenho devem assumir, também, o papel de agentes de desenvolvimento humano, conscientes do impacto que exercem na vida de milhares de jovens.

O Ajax evidencia um caminho possível para conectar desenvolvimento humano e esportivo. A coerência entre discurso, prática e resultados oferece uma resposta clara àqueles que ainda se perguntam se vale a pena investir na formação integral. Sim, vale. Não apenas por uma questão de responsabilidade com a vida dos milhares de jovens que passaram pelo esporte, mas porque clubes que formam pessoas de maneira completa formam, também, atletas mais preparados e ativos mais valorizados e conectados com a identidade do clube.

Formar atletas é formar cidadãos. E formar cidadãos pode, sim, ser o melhor caminho para formar grandes clubes.

Ana Teresa Ratti possui mais de 20 anos de experiência corporativa, é mestra em Administração, e trabalha atualmente com gestão esportiva, sendo cofundadora da Vesta Gestão Esportiva