Nos últimos anos, tem ficado cada vez mais clara a relação da performance dentro e fora de campo dos clubes brasileiros de futebol. Quanto mais se fortalecem as estruturas organizacionais fora do campo, especialmente as que se convertem na capacidade de geração de receitas e redução do nível de endividamento dos clubes, menos há espaço para surpresas. Como consequência, observamos os grandes campeonatos sendo decididos por um grupo cada vez mais seleto dos clubes com maior poderio financeiro.
Se considerarmos o Top 5 dos clubes do ranking de receitas de 2023 com base no Levantamento Financeiro de Clubes Brasileiros, da EY, publicado em junho deste ano, apenas o Corinthians não teve conquistas relevantes dentro de campo nos últimos três anos, porém o clube passa por um momento de instabilidade política e de gestão que acaba impactando também os resultados esportivos.
O impacto dos direitos de transmissão
Não é novidade para ninguém que a venda dos direitos de transmissão é a maior fonte de receita para os clubes brasileiros de futebol. Em 2023, também segundo o relatório da EY, essa fonte de receita representou 46% do arrecadado por todos os clubes analisados (o relatório inclui clubes das Séries A e B).
É importante destacar que os clubes integrantes da Liga Forte União (LFU) que receberam adiantamento por percentual dos direitos comerciais referentes ao Campeonato Brasileiro de 2025 a 2074 lançaram esses valores em seus balanços de 2023 causando uma pequena distorção da representatividade dos direitos de transmissão como um todo. De toda forma, na série histórica analisada pela EY desde 2014, os direitos de transmissão nunca representaram menos que 33% da receita dos clubes.
No fim das contas, o que vale é a atenção e o engajamento do fã
Mas por que grandes emissoras, conglomerados de mídia e grupos de investimento investem bilhões de reais (foram mais de R$ 5 bilhões em 2023) na compra de direitos de transmissões das principais competições de futebol do país? A resposta é simples: o engajamento do fã e seu tempo de atenção consumindo conteúdo de futebol é muito valioso para marcas anunciantes.
As emissoras detentoras dos direitos de transmissão buscam o retorno desse investimento comercializando pacotes de publicidade em diferentes meios e formatos. Todo o conteúdo gerado pelas competições antes, durante e depois da transmissão de cada jogo, nos programas esportivos e nos meios digitais é fonte de negociação para que marcas possam se posicionar e “emprestar” um pouco da atenção de cada torcedor. Para se ter uma ideia do tamanho desse mercado no Brasil, em 2023 foram investidos mais de R$ 80 bilhões de reais em publicidade, segundo a Kantar Ibope.
Converter torcedor em cliente pagante não é fácil
Apesar do Brasil ser referência no formato de sócio-torcedor (o mais comum em outros países é vermos a venda de pacotes de ingressos para a temporada), os programas ainda ficam restritos a uma pequena parcela dos torcedores (menos de 1% dos torcedores se tornam sócios). Essa baixa penetração dos programas de sócio acontece por diversos motivos, mas podemos destacar o foco em benefícios atrelados aos ingressos, o que limita de acordo com o tamanho do estádio e jogos como mandante na temporada de cada clube, além da necessidade do torcedor estar geograficamente próximo ao clube.
Abaixo, podemos observar o ranking dos clubes com a maior taxa de conversão de torcedores para sócios. Como é possível observar, os clubes com as maiores torcidas foram os piores na conversão em associação, demonstrando o impacto que a limitação dos benefícios muito focados em ingressos causa na capacidade do clube de gerar receita recorrente diretamente com uma grande parcela de sua torcida.
Mas converter torcedor em audiência digital é bem mais simples
Se por um lado os clubes brasileiros têm dificuldade em transformar os fãs em clientes, por outro têm sido mais bem-sucedidos em transformar a torcida em audiência digital em canais sociais como o Instagram. Juntos, os clubes da Série A do Campeonato Brasileiro de 2024 somam quase 72 milhões de seguidores na plataforma, o que representa praticamente um terço da população brasileira.
Se a relação entre tamanho da torcida convertida em seguidores no Instagram tivesse um ranking, o Red Bull Bragantino lideraria com folga, seguido por Cuiabá e Criciúma. O motivo da liderança pode ser explicado por alguns fatores, entre eles a força da marca da Red Bull no meio esportivo, que atrai admiradores em uma relação um pouco diferente do torcedor apaixonado que estamos acostumados, além do destaque que o clube tem recebido pela sua estrutura e resultados em campo desde a venda para o grupo austríaco.
Nesse caso, além do Red Bull Bragantino, outros clubes como Cuiabá, Criciúma, Vitória e Fluminense têm um número de seguidores maior do que o número de torcedores indicados nas pesquisas. Isso demonstra que, em muitos casos, a audiência digital pode ir muito além da base da própria torcida, impactando também admiradores, curiosos e até torcedores rivais eventualmente, o que pode significar um caminho interessante para a estratégia de monetização digital dos clubes.
Mas, afinal, quanto cada clube da Série A fatura por torcedor hoje?
Veja como seria o Ranking de Receita Média por Torcedor dos clubes da Série A de 2024. Para este cálculo utilizamos apenas as linhas de receita comerciais e de matchday, pois são as que estão mais ao alcance dos clubes trabalharem no curto e no médio prazo, uma vez que as receitas de direitos de transmissão demandam negociações com prazos mais dilatados e atualmente envolvem grupos e ligas.
Dividindo-se o total da receita comercial e matchday pelo tamanho da torcida, apenas quatro clubes faturaram em 2023 mais do que R$ 40 por torcedor: Cuiabá, Criciúma, Athletico-PR e Fluminense. Para os dois primeiros, o fato de terem torcidas relativamente pequenas impacta para deixar o cálculo um pouco desproporcional.
Já o fato do Athletico-PR estar tão acima dos demais clubes demonstra uma capacidade impressionante de geração de receita com a exploração de seus ativos. Em 2023, o programa de sócios do clube curitibano arrecadou mais de R$ 45 milhões, enquanto sua loja oficial lucrou outros R$ 25 milhões.
Novamente os clubes com maiores torcidas ocupam os últimos lugares da tabela, mas mesmo entre eles existem grandes diferenças. Para comparar clubes com torcidas semelhantes, o Palmeiras tem uma receita média que equivale exatamente ao dobro do São Paulo (R$ 21,10 x R$ 10,05). Ambos estão localizados na maior e mais rica cidade do país. Se o São Paulo tivesse a mesma relação de geração de receita por torcedor que o Palmeiras, atingiria um incremento de R$ 200 milhões por ano em seu caixa, um salto de mais de 30% em seu faturamento total em 2023. Parece complexo e utópico, mas é possível.
Os clubes têm o que as marcas querem e procuram
Hoje, os clubes têm à disposição o que as marcas mais buscam: grandes audiências e a capacidade de saber muito sobre o perfil de consumo e comportamento da torcida. Porém, por diversas razões, ainda existe muita dificuldade de ir além da já bem explorada oferta de espaços na camisa. É possível observar uma evolução gradual no mercado com muitos clubes evoluindo bastante na forma de produzir conteúdo, melhorando seus canais digitais e pontos de contato com o fã, e estruturando os dados gerados por essas interações para melhor interpretá-los. Mas ainda é uma evolução tímida frente ao potencial.
Na próxima coluna, vamos explorar como os clubes podem acelerar esse processo de monetização de suas bases de fãs e trazer um efeito evolutivo nessas métricas de performance analisadas. O futuro do futebol brasileiro é promissor, mas exige investimento para melhorar a experiência da torcida, entender seu comportamento e entregar uma oferta realmente relevante para fãs e marcas.
Vitor Marini é profissional de marketing com mais de uma década de experiência liderando projetos de mídia digital e dados para grandes anunciantes do país, como Samsung e Ford, entre outros. Atualmente, é CEO da Retize, a primeira sports media network (rede de mídia esportiva, em tradução livre) do país, que ajuda clubes esportivos a transformarem as interações digitais dos fãs em receita no mercado publicitário