Os Jogos Olímpicos de Barcelona 1992 foram usados marqueteiramente pelo Comitê Olímpico Internacional (COI) durante décadas para propagar as benesses de uma cidade ser a sede do evento.
Até os Jogos do Rio 2016, o grande argumento que era utilizado pelo COI e pela cidade-sede era de que as Olimpíadas trariam desenvolvimento a uma área degradada. E, a partir dessa revitalização urbana, no longo prazo, o custo para abrigar os Jogos estaria pago. Foi a criação e propagação do termo “legado” para gastos desenfreados em grandes eventos esportivos.
O problema é que esse modelo funcionou em Barcelona 1992. De lá para cá, Sydney 2000, Atenas 2004, Pequim 2008, Londres 2012 e Rio 2016 foram Jogos deficitários para os respectivos países e, além disso, geraram um legado de transformação abaixo do prometido.
O desafio de Paris 2024, nesse sentido, era trazer um novo conceito para a organização de uma edição olímpica. Tóquio saiu dessa conta simplesmente pela pandemia ter devastado a gestão do evento. Mas o evento japonês já previa algumas mudanças, como o fim do Parque Olímpico e uma Vila Olímpica mais racional.
O que se vê na Cidade Luz neste 2024 é a criação de um novo marco para o COI e para o futuro dos Jogos Olímpicos. Paris mostrou que é possível fazer uma Olimpíada menos glamourosa, mais inclusiva e, no final das contas, bem mais racional financeiramente. Tudo isso sem abandonar a capacidade de gerar dinheiro a cada nova oportunidade e criando uma sensação de êxtase para o torcedor.
É interessante notar que o sucesso de Paris vem do aprendizado trazido por outras Olimpíadas. Os franceses, claramente, aproveitaram-se de boas ideias das últimas edições dos Jogos para aprimorar a estratégia de se vender exatamente aquilo que se prometeu.
A grande sacada foi não apenas ter levado para o Rio Sena a Cerimônia de Abertura dos Jogos, mas de, ao fazer isso, transformar a pira olímpica em uma atração turística acessível aos “sem-ingresso”.
O Rio 2016 tinha sido o marco dessa inovação ao levar a pira para a região do Porto, que foi inteira revitalizada para os Jogos. Mas, à ocasião, o artefato não era o mesmo que havia sido aceso por Vanderlei Cordeiro de Lima no Estádio do Maracanã. Em Paris, a pira que foi acesa na Abertura está lá, visível para quem quiser caminhar por uma das regiões mais movimentadas da cidade, o trajeto que vai do Museu do Louvre ao Arco do Triunfo, passando por Jardim das Tuileries, La Concorde e Champs-Élysées.
Esse, aliás, tem sido o grande segredo de Paris para tornar os Jogos aparentemente mais acessíveis a todos. Em vez de criar um Parque Olímpico para abrigar a maioria das competições e, para isso, precisar desapropriar terreno, construir novas áreas e, no fim, gastar muito dinheiro, Paris trouxe as competições para dentro do que já existe de estrutura na cidade.
Usou, assim, o mesmo conceito que Tóquio não conseguiu colocar em prática, e ampliou o que já tinha funcionado com o Parque Olímpico de Londres 2012.
Com isso, resolveu dois problemas em um só. Qualquer pessoa, mesmo sem ingresso, pode chegar pertinho das áreas de competições e tirar foto da pira olímpica e de pontos icônicos, como as pirâmides do Louvre ou o Arco do Triunfo. Além disso, depois que a festa acabar, a La Concorde volta a ser um dos marcos históricos da cidade, sendo a maior praça de Paris com suas fontes e monumentos preservados.
Mas Paris foi além nesse conceito e criou uma modalidade de acesso a instalações olímpicas diferente das outras. A La Concorde é o espaço onde fica o Parque Urbano. Além de abrigar BMX, skate, basquete 3×3 e breakdance, a área recebe torcedores que não possuem ingresso. Você compra o acesso à Arena La Concorde e pode, ainda, fazer clínicas de 3×3, ver os treinamentos dos atletas e vivenciar, de certa forma, a experiência olímpica.
E aí é que entra a quebra de paradigma dos Jogos. Até agora, as Olimpíadas eram restritas à chamada “família olímpica”: atletas, comissões técnicas, mídia credenciada e torcedores com ingresso.
Paris fez a família abrir as portas de suas casas e deixar todo mundo entrar. Ou, pelo menos, o maior número possível de pessoas. Quem não estiver dentro da festa pode observar uma boa parte dela, tirar fotos e vivenciar o clima olímpico.
A conclusão: Paris 2024 deve representar um marco para o marketing olímpico como foi Barcelona 1992.
Erich Beting é fundador e CEO da Máquina do Esporte, além de consultor, professor e palestrante sobre marketing esportivo