A recente decisão da Federação Paulista de Futebol (FPF) de realizar duas rodadas do Paulistão Sub-11 e Sub-12 com portões fechados, após episódios de mau comportamento de pais e responsáveis nas arquibancadas, reforça a urgência de refletirmos sobre a formação integral dos atletas. Esse é um tema recorrente na minha abordagem aqui, na minha coluna na Máquina do Esporte, e em projetos dos quais participo: compreender como o futebol pode ser, ao mesmo tempo, instrumento de desenvolvimento social e humano, sem perder de vista a essência da formação esportiva e, por que não, do “negócio futebol”.
Já trouxe, por exemplo, o caso do Ajax, da Holanda, e seu processo bem-sucedido de desenvolvimento de atletas. Por lá, a filosofia de formação parte do reconhecimento de que o jogador é, antes de tudo, uma pessoa. Os resultados esportivos e financeiros comprovam que essa mentalidade, além de mais justa com os jovens, é, também, altamente eficiente.
Em outras oportunidades, levantei a questão da profissionalização cada vez mais precoce dos atletas, ainda em idade escolar. Um ponto que exige cuidado, dedicação e responsabilidade. Defendo que nós, profissionais de gestão do futebol, devemos criar condições para que estudar seja o “normal” entre os atletas, e isso não significa apenas estar matriculado. O desenvolvimento que vem da escola é tão importante quanto aquele adquirido nas horas de treino, dentro de campo ou na academia.
Nesse cenário, surge uma reflexão essencial e urgente, que ganha cada dia mais peso para a atividade de formação de atletas de futebol: qual é o papel dos pais na formação dos atletas? A resposta não é simples e provavelmente não há rigorosamente limites entre o certo e o errado.
A complexidade é enorme: pais que projetam em seus filhos sonhos pessoais de sucesso ou de ganhos financeiros; crianças expostas cada vez mais cedo como se já fossem atletas de alto rendimento; notícias de jovens de 8, 9 ou 10 anos exaltados como futuras estrelas; redes sociais que ampliam a competitividade e a busca por fórmulas rápidas para chegar ao topo; clubes brasileiros que, tradicionalmente, não integram os pais ao processo de formação, alimentando ruídos e ansiedade na arquibancada; e a corrida para encontrar um “grande agente”, na contramão dos regulamentos nacionais e internacionais, que abriria as portas dos grandes clubes quase como uma lenda urbana.
Tudo isso resulta em pais cada vez mais presentes, seja para usufruir, impulsionar ou proteger. O fato é que, muitas vezes bem-intencionados, eles acabam gerando confusão e prejuízos ao desenvolvimento das crianças e adolescentes. E não me refiro apenas ao desenvolvimento esportivo, mas, sobretudo, ao desenvolvimento humano.
Considero a FPF uma referência para o futebol brasileiro, desempenhando um papel fundamental na elevação e profissionalização da gestão do esporte mais praticado no país. Por isso, convidei Fábio Moraes, diretor-executivo de competições da entidade, para compartilhar sua visão, que também representa a perspectiva da federação.
Ana Teresa Ratti (ATR): Como a FPF avalia o impacto da restrição da presença dos pais nas categorias Sub-11 e Sub-12 do Paulistão? Há novas medidas ou campanhas em estudo para complementar essa iniciativa?
Fábio Moraes (FM): Como a decisão das duas rodadas com portões fechados se encerrou no último fim de semana, ainda estamos coletando dados e informações. Creio que logo teremos números importantes sobre a ação. De toda forma, pudemos observar que o impacto foi positivo nos jogos: as crianças se sentiram à vontade para jogar e se divertir. Na realidade, essa medida faz parte de um programa de conscientização, batizada de “Menos Ódio e Mais Futebol”, uma campanha iniciada no ano passado, e temos a intenção de executar várias outras ações pra conscientizar a todos de que são crianças e que elas precisam se divertir para jogar futebol.
ATR: Além de prevenir a violência e reduzir ocorrências nas arquibancadas, como a FPF enxerga seu papel no desenvolvimento esportivo e emocional das crianças nas categorias de base?
FM: Faz parte do propósito da Federação Paulista desenvolver e promover o futebol por meio da paixão e da educação. É fundamental que nas competições de base a gente tenha um ambiente favorável e seguro para a criança se desenvolver, praticar e gostar de futebol. É papel, sim, da FPF, contribuir para o desenvolvimento esportivo e emocional das crianças, principalmente nas categorias de formação.
ATR: É comum pais relatarem falta de acesso ao processo de formação dos filhos nos clubes de futebol. Como a FPF pode auxiliar nessa relação entre clube e famílias?
FM: A FPF, dentro dos regulamentos específicos das competições de base, inseriu a necessidade e a obrigatoriedade de todos os clubes promoverem ações sociais e pedagógicas com os pais e atletas. É um estímulo para que as portas estejam abertas entre clubes e pais de forma construtiva, participativa e colaboradora. Os clubes devem ter transparência no desenvolvimento, no processo e no que é feito com essas crianças no processo de treinamento.
ATR: Quais políticas a FPF já adota ou estuda para que os clubes formadores atuem de fato como instrumentos de desenvolvimento integral, humano e esportivo de crianças e jovens?
FM: A FPF, de maneira inovadora, organizou um guia prático para obtenção do Certificado de Clube Formador. Este manual traz um passo a passo extremamente pedagógico que direciona e acelera o processo de intenção do clube de se formar um clube formador. Nós acompanhamos os clubes filiados até o fim do processo. Cerca de 30% dos clubes brasileiros que possuem o Certificado de Clube Formador são filiados à Federação Paulista. A tendência é de aumentar este percentual, justamente pelo processo inovador de acompanhar e auxiliar os clubes no processo de obtenção do certificado.
ATR: Como a FPF enxerga o papel da família na formação esportiva e quais impactos podem ser esperados quando os pais participam de forma equilibrada do processo do jovem atleta?
FM: A FPF tem um desafio de, junto aos clubes e a toda a sociedade envolvida no entorno da criança, de mostrar que o futebol precisa ser o plano B. O plano A é a escola, o ensino de qualidade, o acompanhamento pedagógico. O atleta fica no clube até 4 horas por dia, e não são todos os dias da semana. Com isso, o clube tem uma responsabilidade compartilhada na educação dessa criança. Cabe ao clube juntar forças com a escola, com pais e familiares, para que o desenvolvimento do atleta seja consciente e longitudinal, que tenha uma coerência no processo de educação da criança. E que tudo que seja ensinado no que diz respeito a valores, respeito, conduta, habilidade para a vida, sejam desenvolvidos não só na escola, como na família e dentro do futebol.
Conclusão
Portanto, a medida da FPF, com portões fechados e campanhas educativas, evidencia que a formação de um atleta vai muito além das habilidades em campo: envolve família, escola e um ambiente de aprendizado seguro e saudável. Mais do que controlar comportamentos, trata-se de conscientizar pais e responsáveis sobre o impacto de suas atitudes no desenvolvimento humano e esportivo das crianças.
Para além de formar atletas competitivos e capazes de representar a “marca futebol brasileiro”, devemos ser incansáveis na missão de construir um futebol que seja instrumento para ensinar múltiplas habilidades e competências, formar cidadãos e, acima de tudo, proporcionar alegria, especialmente para aqueles que praticam enquanto ainda são crianças e adolescentes.
Ana Teresa Ratti possui mais de 20 anos de experiência corporativa, é mestra em Administração, e trabalha atualmente com gestão esportiva, sendo cofundadora da Vesta Gestão Esportiva
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