A polêmica envolvendo a tentativa da Loteria do Estado do Rio de Janeiro (Loterj) de promover sua própria regulamentação do mercado de apostas esportivas ainda não chegou ao fim.
Depois de o desembargador Paulo Zuniga Dourado, do Tribunal Regional da 1ª Região (TRF1), do Distrito Federal, acolher os embargos de declaração da Associação Nacional de Jogos e Loterias (ANJL) e suspender o bloqueio executado pela Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel) a sites de apostas que não tinham outorga estadual para operar no Rio de Janeiro, a autarquia fluminense emitiu nota à imprensa, informando que seguirá com a disputa na Justiça.
A Loterj afirma que irá defender a “autonomia dos estados, assegurada na Constituição Federal e referendada pelo STF [Supremo Tribunal federal], para conceder licença à operação das bets, como são conhecidas as casas de apostas on-line”. A autarquia também diz que irá recorrer da decisão que liberou o acesso aos sites que não têm outorga no estado.
No entendimento da Loterj, a decisão judicial não altera a necessidade de autorização estatal para as empresas operarem no mercado.
“É inconstitucional a tese de que a exploração de serviços lotéricos possa ser realizada clandestinamente, por empresas muitas vezes sediadas em paraísos fiscais, até a conclusão da regulamentação federal. A soberania dos estados deve ser preservada, havendo regulamentação própria para exploração do mercado lotérico, como é o caso do Rio de Janeiro, e deve ser cumprida”, diz a nota.
No entendimento da Loterj, as condições e prazos previstos na lei 14.790/2023, que regulamenta as apostas esportivas on-line no Brasil, não equivaleria a “um alvará para exploração ilegítima do mercado pelas bets”.
“Sabe-se que essa atividade é conhecida como sonegadora de impostos e evasão fiscal, e as empresas que a exploram estão sediadas, em sua maioria, em paraísos fiscais. A ‘adequação’ do referido artigo é para que essas empresas se regularizem”, diz o texto.
A origem da polêmica
A polêmica envolvendo a Loterj teve origem em 2020, época em que as apostas esportivas já representavam uma realidade no país, embora não fosse uma atividade regrada por lei, e sim por medida provisória. O STF decidiu, na ocasião, que os estados também tinham legitimidade para explorar loterias e demais apostas de cota fixa, modalidades que, antes, eram um monopólio da União, executado pela Caixa.
Com isso, as autarquias lotéricas dos estados também estavam aptas a emitir licenças para empresas interessadas em operar no setor.
A maioria dessas instituições entendia que as outorgas se limitavam aos territórios dos estados onde elas operavam. Em abril do ano passado, porém, a Loterj lançou edital de credenciamento para empresas de apostas, que estariam aptas a aceitar clientes de todo o Brasil, utilizando apenas a licença do Rio de Janeiro.
Essa situação desagradou as autarquias de outros estados, as entidades que representam nacionalmente o setor e o próprio Governo Federal, que entendem que esse tipo de autorização, válida para todo o Brasil, seria de competência exclusiva da União.
A Loterj hoje cobra uma taxa de outorga de R$ 5 milhões, enquanto a da União está R$ 30 milhões. Já o imposto federal sobre o GGR das empresas (receita bruta menos premiações pagas) é de 15%, ao passo que a do Rio de Janeiro é de 5%.
Em entrevista concedida à Máquina do Esporte, no início de julho, o presidente da Loterj, Hazenclever Lopes Cançado, defendeu as outorgas emitidas pela autarquia fluminense, atitude classificada por ele como pioneira.
“Somos disruptivos”, disse Cançado. “A Loterj não está fazendo pechincha ou coisa do tipo. Quando definimos a taxa de outorga em R$ 5 milhões, foi com base em estudos e muito antes da União estabelecer esse preço em R$ 30 milhões”, prosseguiu.
Segundo ele, os credenciamentos de empresas interessadas em operar em todo o território nacional, feitos pela Loterj, são embasados em duas leis federais.
Questão pode estar em vias de ser pacificada pelo TRF1
A discussão em torno das outorgas estaduais do Rio de Janeiro pode estar em vias de ser resolvida. Pelo menos isto é o que indica a sentença do desembargador Paulo Zuniga Dourado, que acolheu o embargo apresentado pela ANJL, suspendendo o bloqueio aos sites no estado.
“Ressalto a possibilidade de análise da competência dos entes federativos para prestação dos serviços de loteria, por ocasião do julgamento do mérito deste recurso, a fim de possibilitar a fixação de entendimento pela egrégia 11ª turma [do TRF1] sobre a matéria”, diz ele, no trecho final da sentença.
Caso a 11ª turma se manifeste de fato sobre o tema, ela acabará por delimitar, com base na decisão de 2020 do STF, até onde os estados podem ir na exploração e no licenciamento das atividades de loterias e apostas e se essas ações ficariam ou não circunscritas a seus territórios (ou se valeriam nacionalmente).
Como está regulamentação federal
Enquanto isso, continua correndo o prazo para empresas do setor solicitarem autorização para operar nacionalmente, com a garantia de que o pedido possa ser analisado e deferido antes de 31 de dezembro. A partir de então, a regra de transição nacional deixará de valer e poderão atuar no mercado apenas os sites que tiverem a outorga.
Até o momento, 19 empresas já pediram a autorização para operar no mercado brasileiro, segundo consulta realizada no Sistema de Gestão de Apostas (Sigap), do Ministério da Fazenda.
São elas: Kaizen Gaming Brasil Ltda.; SPRBTBR Ltda.; MMD Tecnologia, Entretenimento e Marketing Ltda.; Ventmear Brasil S.A.; Big Brazil Tecnologia e Loteria S.A.; NSX Brasil S.A.; Apollo Operations Ltda.; Simulcasting Brasil Som e Imagem S.A.; Galera Gaming Jogos Eletrônicos S.A.; F12 do Brasil Jogos Eletronicos Ltda.; Blac Jogos Ltda.; EB Intermediações e Jogos S.A.; OIG Gaming Brazil Ltda; Hiper Bet Tecnologia Ltda.; Betfair Brasil Ltda.; Reals Brasil Ltda.; Hiper Bet Tecnologia Ltda.; NVBT Gaming Ltda.; e Seguro Bet Ltda., que apresentou o pedido nesta quarta-feira (14).