O Comitê Olímpico Internacional (COI) anunciou, na última quarta-feira (1º), um movimento inédito em direção ao universo dos esportes eletrônicos. Trata-se da realização do Olympic e-Sports Series, ou Semana Olímpica de e-Sports, entre os dias 22 e 25 de junho, em Singapura, na Ásia.
O evento acontecerá em colaboração com federações internacionais do esporte e editoras de jogos eletrônicos. Tudo isso em parceria com diversos órgãos governamentais locais, como o Ministério da Cultura, Comunidade e Juventude (MCCY), Sport Cingapore (conselho atrelado ao ministério); Conselho de Turismo (STB); e o Comitê Olímpico Nacional de Singapura (SNOC).
A ação é a primeira mais efetiva que o COI faz em direção ao universo dos games, após anos de especulação sobre os e-Sports serem ou não parte do programa olímpico.
As inscrições para os jogadores começaram logo na data do anúncio, em 1º de março, pelo site do COI. Os playoffs de qualificação se encerrarão em 15 de maio, quando serão anunciados os finalistas que competirão em Singapura.
Amadores
O evento está aberto a, literalmente, todos: tanto jogadores profissionais como amadores de todo o mundo são convidados a participar das rodadas classificatórias. Nota-se aqui o primeiro ato de aproximar, também no ambiente virtual, os Jogos Olímpicos das pessoas comuns, e não apenas dos profissionais.
Isso é algo que o comitê já vem buscando no mundo real. Em Paris 2024, pela primeira vez, a Maratona Olímpica será disputada tanto por corredores amadores quanto pelos profissionais que buscarão o ouro.
Modalidades
No movimento com os e-Sports, chama a atenção um detalhe: serão apenas nove modalidades esportivas contempladas na competição. Confira quais são elas, seguidas de seus títulos oficiais:
- Arco e flecha, no Tic Tac Bow
- Beisebol, no WBSC eBaseball: Power Pros
- Xadrez, no Chess.com
- Ciclismo, no Zwift
- Dança, no Just Dance
- Automobilismo, no Gran Turismo
- Vela, no Regata Virtual
- Taekwondo, no Virtual Taekwondo
- Tênis, no Tennis Clash
É uma premissa do COI, mais especificamente de seu presidente, Thomas Bach, que a Semana Olímpica de e-Sports tenha ligação com os esportes praticados pelas pessoas nas ruas. Eis o motivo de o evento não contemplar títulos com storytellings mais complexos, como DoTA 2, Valorant ou League of Legends.
Além disso, percebe-se que não há uma unidade de plataformas jogáveis. Os games apresentados serão jogados em quatro formatos: console, mobile, desktop e com realidade virtual, como é o caso das modalidades de ciclismo, taekwondo e dança.
Este último, por sinal, quebra o argumento de que esportes eletrônicos são 100% on-line. Para jogar o Just Dance, o usuário deve, literalmente, dançar. Não é diferente no ciclismo, que será jogado com o Zwift, tecnologia integrada a uma bicicleta ergométrica, em que é necessário pedalar de verdade para a movimentação gerar pontos no game.
Já a ausência de outros esportes tradicionais pode ser interpretada como um aceno do COI a franquias de games já consolidadas, como no futebol (em que Fifa e EA Sports já desenvolvem grandes torneios globais) e no basquete, com o NBA 2K.
Patrocinadores
Se comprar briga com os grandes das modalidades mais populares não é uma opção, na captação de patrocínios a história é outra, uma vez que os Jogos Olímpicos e Paralímpicos já possuem uma lista robusta de parceiros que abraçarão o novo evento. Assim, o Olympic e-Sports Series chega com um time significativo de 14 multinacionais de diversos segmentos patrocinando o evento, galgando a posição de torneio de e-Sports global mais bem patrocinado da história.
Entre elas estão gigantes da tecnologia, como Omega, Atos, Intel, Panasonic e Samsung. A lista fica completa com Airbnb, Alibaba, Allianz, Bridgestone, Coca-Cola, Deloitte, Procter & Gamble, Toyota e Visa.
O fato de o evento atrair tantas big techs e gigantes de outros setores indica uma forte tendência: as maiores empresas do mundo querem estar perto dessa movimentação crescente dos e-Sports ao redor do mundo. Afinal, ela vem acompanhada de milhões de jovens potenciais clientes, conectados o tempo todo à internet e aptos a consumirem seus produtos e serviços. Para as empresas, é um novo universo a se explorar, com muitas oportunidades.
Se por um lado os esportes eletrônicos possuem o entendimento e a bênção de investidores privados, por outro ainda falta conquistar a atenção e a confiança dos setores públicos.
E o Brasil?
Os setores de políticas de cultura e turismo de Singapura estão efetivamente promovendo o evento ao lado do COI, seja empregando recursos ou disponibilizando estrutura, internet e tecnologia para a realização da primeira edição do que pode ser um divisor de águas, tanto para o mercado dos e-Sports quanto para o mercado do esporte.
Enquanto isso, no Brasil, logo após ser empossada como ministra, a ex-atleta de vôlei Ana Moser afirmou que “e-Sports não é esporte”, fechando qualquer possibilidade de fomento e investimentos na área via Ministério do Esporte.
Na semana seguinte à declaração, a ministra chegou a defender uma espécie de “ação intersetorial” para justificar investimentos em e-Sports, mas ainda continuou se referindo ao tema como “entretenimento”.
A parceria público-privada, preterida por Ana Moser, é justamente o mecanismo adotado pelo COI para promover o torneio em Singapura.
Vistos
A França, sede da Olimpíada de 2024, criou uma categoria especial de vistos para atletas de e-Sports, facilitando a entrada de competidores profissionais no país. A resolução é vista como um alento para produtoras de eventos globais, visto que os jogadores não deverão ter problemas para ingressar em solo francês, e foi tomada a poucos meses da etapa mundial de Counter-Strike: Global Offensive (CS:GO), que será realizada em Paris, em maio. Como efeito, a França deve entrar no radar de futuros eventos de grande porte.
Embora o Brasil tenha sediado alguns eventos globais, como o Lock In, de Valorant, e seja sede do próximo mundial de Rainbow Six Siege (R6), será difícil, ao que tudo indica, receber algum evento do porte do Olympic e-Sports Series no futuro.
Mercado
Segundo dados da Pesquisa Global de Entretenimento e Mídia da PwC Brasil, a receita total de videogames e esportes eletrônicos no país deve chegar a US$ 2,8 bilhões em 2026. Já a TechNET Immersive revelou um levantamento mais robusto em nível global. A pesquisa apontou que o setor tem um valor agregado de US$ 163,1 bilhões, responsável por mais da metade do valor de mercado do entretenimento mundial.
O cenário de transformação digital e comportamental causada pelos esportes eletrônicos é motivo de discussão entre as sócias da G4B, empresa especializada em conectar marcas ao universo dos games. Cynthya Rodrigues, publicitária e cofundadora da G4B, analisou o potencial que existe.
“O Brasil é um dos mercados mais promissores para o setor de games e e-Sports, sendo o terceiro maior mercado de games do mundo, o líder da América Latina, e um dos líderes globais em audiência de e-Sports, com uma base de fãs em constante crescimento”, pontuou.
Já Marcela Miranda, fundadora da G4B, acrescentou a tese de que a Semana Olímpica é uma espécie de tubo de ensaio para o mercado.
“Estamos abrindo possibilidades para entendermos melhor engajamento, público, investimento, publicidade, mercado. Quem não conhecia e/ou não sabia que existia, vai passar a ver mais”, afirmou a executiva.
“Marcas que não olhavam para esse mercado como uma possibilidade de negócios, passarão a entender como ele funciona, sem ter que entrar em plataformas muito segmentadas”, completou.
Para a executiva, o caminho é sem volta.
“Temos uma nova geração de centenas de milhares de pessoas olhando para isso. Estamos falando de uma profissão que quase não existia há cinco anos, e que agora só está crescendo. Não dá para ignorar”, destacou Marcela.
Ao realizar este evento, o COI se aproxima do público envolvido nos e-Sports, que possui grande potencial e atrai novos mercados interessados em negócios na área. A partir de agora, as ações das grandes empresas e dos setores públicos em relação aos esportes eletrônicos serão analisadas com mais rigor e crítica, considerando a importância conquistada por esse grupo.