Antes do início da Copa do Mundo de Clubes, promovida pela Federação Internacional de Futebol (Fifa) nos Estados Unidos, era recorrente a ideia de que as equipes europeias dominariam com facilidade o torneio, ao passo de que aos times brasileiros restaria o papel de meros coadjuvantes.
Bastou que a bola rolasse de fato, porém, para que essa “verdade” inabalável (da suposta imensa superioridade dos europeus) caísse por terra. Palmeiras, Fluminense, Flamengo e Botafogo não apenas não se deixaram intimidar pelos adversários do Velho Continente, como foram capazes de impor seu futebol.
Enquanto Palmeiras e Fluminense empataram, respectivamente, com Porto e Borussia Dortmund, o Flamengo derrotou o Chelsea de virada, ao mesmo tempo que Botafogo venceu o PSG, atual campeão da Champions League.
Todos os quatro brasileiros estão classificados para as oitavas de final da Copa do Mundo de Clubes da Fifa.
Diversos fatores ajudam a explicar o bom desempenho de Botafogo, Flamengo, Fluminense e Palmeiras na competição. Um deles envolve as finanças dos clubes.
Faturamento maior
Dados do mais recente Relatório Convocados/Outfield, com patrocínio da Galapagos Capital, mostram que os times da Série A do Brasileirão alcançaram, em 2024, um faturamento total de R$ 10,206 bilhões (média de R$ 510,3 milhões por equipe).
O crescimento em relação ao ano anterior foi 10,2%. Já na comparação com 2019, última temporada antes da pandemia de covid-19, o aumento foi de 35%.
“Os clubes brasileiros têm conseguido ampliar e diversificar suas fontes de receitas”, explica Cesar Grafietti, economista responsável pelo estudo.
Dos quatro times do país na Copa do Mundo de Clubes, apenas o Botafogo ainda não divulgou os demonstrativos financeiros relativos a 2024.
Os números relativos à Estrela Solitária, que hoje opera sob o formato de Sociedade Anônima do Futebol (SAF), são baseados em informações de mercado.
O balanço do Flamengo, por exemplo, mostra um crescimento considerável nas receitas comerciais, que passaram de R$ 339 milhões, em 2023, para R$ 420 milhões, em 2024.
Nessa fonte de receitas estão incluídos não apenas os patrocínios de camisa como o da casa de apostas Pixbet (que, em 2025, deverá render R$ 115 milhões ao clube), mas também outras propriedades, incluindo placas publicitárias (a Brax paga R$ 66 milhões anuais por esse contrato), além de produtos licenciados.
As receitas de matchday do Flamengo, que incluem bilheteria, hospitalidade e venda de bebidas, alimentos e produtos licenciados no estádio, tiveram um salto entre os anos passado e retrasado, subindo de R$ 65 milhões para R$ 110 milhões.
De acordo com o Relatório Convocados/Outfield, esse aumento nas receitas de matchday tem sido uma tendência geral na Série A do Brasileirão, desde o fim da pandemia da covid-19.
Entre 2022 e 2024, o crescimento geral ultrapassou R$ 500 milhões, indo de R$ 1,098 bilhão para R$ 1,634 bilhão.
Força da base
Fluminense e Palmeiras têm em comum a importância das categorias de base, como geradoras de faturamento.
No ano passado, a equipe carioca obteve uma receita operacional bruta de R$ 684,1 milhões. Desse total, R$ 269 milhões vieram de transferências de jogadores.
Já no Palmeiras, a venda de jogadores ultrapassou os direitos de transmissão como maior fonte de receitas. Em 2022 e 2023, as cotas de TV respondiam por 22% do faturamento do clube. No ano passado, o percentual caiu para 15%.
Em contrapartida, o peso das transferências de jogadores passou de 20%, em 2022, para 21%, em 2023, até alcançar 35%, no ano passado.
Considerando-se os valores absolutos, as negociações de atletas – das quais o caso mais notório é o do atacante Endrick, contratado pelo Real Madrid por € 72 milhões – injetaram R$ 475 milhões no caixa do Palmeiras em 2024, ajudando a equipe a alcançar uma receita total bruta de R$ 1,128 bilhão, a segunda maior do Brasil.
O Relatório Convocados/Outfield mostra que o faturamento total dos clubes da Série A com transferências de atletas subiu de R$ 1,348 bilhão, em 2022, para R$ 2,328 bilhões, no ano passado.
Receitas comerciais
O Flamengo não foi o único clube brasileiro a experimentar o aumento nas receitas comerciais. Essa tendência foi observada em toda a Série A, conforme demonstra o Relatório Convocados/Outfield.
Em 2020, auge da pandemia da covid-19, o faturamento dos principais clubes do país nessa área foi de R$ 850 milhões. Já no ano passado, o valor total alcançou R$ 2,07 bilhões.
Grafietti observa que esse crescimento é impulsionado pelas casas de apostas, embora faça uma ressalva.
“Os patrocínios de apostas têm sido relevantes para os clubes, mas, na maioria dos casos, eles respondem por algo entre 5% a 6% das receitas totais. Em alguns casos, podem chegar a 10%. Então, esse dinheiro é importante, mas não faz milagre”, observa.
O estudo mostra que, somados, os contratos de patrocínio máster na Série A (praticamente monopolizados por casas de apostas, que ocupam essa propriedade em 19 dos 20 clubes) alcançaram R$ 579 milhões no ano passado.
Essa quantia pode chamar a atenção, mas representa menos, por exemplo, do que Palmeiras e Fluminense, sozinhos, ganharam no mesmo período com transferência de jogadores.
De acordo com Relatório Convocados/Outfield, o montante injetado por patrocínios másteres na Série A em 2024 correspondeu a 28% das receitas comerciais dos clubes e a 7% do faturamento total.
Para este ano, a projeção é de que os contratos de patrocínio máster alcancem um valor estimado R$ 988 milhões, na primeira divisão nacional.
Além das finanças
Ainda que as receitas dos clubes brasileiros cresçam de maneira recorrente, o futebol do país ainda apresenta níveis de faturamento e de investimento inferiores aos das principais ligas europeias.
“O Flamengo, por exemplo, fatura algo próximo às receitas do Benfica. Se considerarmos os clubes que mais faturam no mundo, ele estaria próximo da 30ª posição. De um modo geral, em termos de receitas e investimentos, os times brasileiros possuem uma capacidade competitiva similar às de equipes desse nível na Europa, mas ainda estão distantes do primeiro escalão”, avalia Grafietti.
Na visão do economista, o bom desempenho dos clubes brasileiros em campo na Copa do Mundo de Clubes pode estar relacionado a outros fatores, além do volume em dinheiro investido.
Isso inclui a capacidade dos clubes de atraírem jogadores locais e atletas renomados já próximos do fim de carreira, aliada aos bons de trabalhos de formação nas categorias de base e à contratação de nomes pouco conhecidos no mercado, mas que são efetivos em campo.
Grafietti faz uma ressalva em relação ao Botafogo, que, na visão dele, tem conseguido montar elencos de qualidade, a um baixo custo.
“Não sabemos a que custo esse trabalho vem sendo realizado, pois o demonstrativo financeiro da SAF do ano passado não foi divulgado. O Botafogo integra um grupo que reúne outros clubes de futebol de John Textor, incluindo o Lyon, que acaba de ser rebaixado. Isso pode ser um sinal de alerta”, pondera o economista.
Nesta terça-feira (24), o Lyon foi rebaixado na Ligue 1, depois de não conseguir cumprir as garantias financeiras impostas pela Direção Nacional de Controle e Gestão (DNCG), órgão responsável por fiscalizar o futebol na França.
O clube estava impedido de contratar novos jogadores desde novembro do ano passado, por conta de problemas financeiros. O Lyon não conseguiu apresentar garantias de que seria capaz de quitar uma dívida avaliada em € 175 milhões.
Peso das premiações
Classificados às oitavas de final da Copa do Mundo de Clubes, os quatro clubes brasileiros que participam do torneio deverão faturar grandes somas em dinheiro, graças à premiação paga pela Fifa.
Cada um deles recebeu US$ 15,21 milhões, pelo simples fato de haver se classificado para o torneio.
Na fase de grupos da competição, cada vitória rende R$ 2 milhões adicionais para os clubes, enquanto o empate vale US$ 1 milhão. Já a classificação às oitavas de final trará mais US$ 7,5 milhões para as equipes do país.
O Botafogo, que venceu dois jogos e perdeu um, já garantiu US$ 26,71 milhões em premiações na Copa do Mundo de Clubes de 2025, mesma quantia alcançada por Palmeiras e Fluminense, que obtiveram uma vitória e dois empates cada, na fase de grupos.
O Flamengo, por sua vez, ganhou duas partidas e empatou uma, alcançando, por enquanto, US$ 27,71 milhões em prêmios.
Convertidas em reais, pela cotação atual, as premiações garantidas até o momento pelos times do país se aproximam de R$ 150 milhões.
Na avaliação de Grafietti, os prêmios dos clubes brasileiros na Copa do Mundo de Clubes não terão o poder de desequilibrar o futebol nacional, em termos de competitividade.
“Os prêmios que os clubes irão receber representam em torno de 10% de suas receitas brutas. Nos casos de Palmeiras e Flamengo, que já faturam muito, esse recurso poderá ajudar a melhorar as operações do futebol. Por exemplo, em vez de venderem imediatamente um atleta promissor, poderão aguardar mais tempo, pois estão com recursos em caixa. Já nos casos de Botafogo e Fluminense, a tendência é que esse dinheiro ajude a saldar dívidas dos clubes, que são elevadas. Em todo caso, a premiação não irá alterar os patamares dessas equipes”, diz o economista.