Quando este ano começou, a situação parecia ser promissora para as equipes brasileiras que haviam optado pelo modelo de Sociedade Anônima do Futebol (SAF). Afinal, muitas delas vinham de situações claudicantes, caso do Cruzeiro, rebaixado em 2019 e que permaneceu na Série B até o ano passado, quando passou a ser controlado pelo ex-jogador Ronaldo Fenômeno e enfim conquistou o retorno à elite do Brasileirão.
Alguns investidores iniciaram a atual temporada promovendo investimentos de vulto, caso da 777 Partners no Vasco, que foi o segundo clube que mais gastou em contratações no início da temporada, com R$ 107 milhões em reforços. A equipe cruz-maltina ficou atrás apenas do Flamengo, que investiu R$ 131 milhões na primeira janela de transferências.
No começo do ano, não soava como exagero dizer que, em 2023, teríamos o Brasileirão das SAFs na Série A, afirmação que foi ganhando força, na medida em que o Botafogo alcançou a liderança e ali se consolidou, chegando a impor 13 pontos de vantagem sobre os adversários.
Hoje, porém, faltando duas rodadas para o fim do campeonato, a maioria das SAFs flerta com o abismo no Brasileirão. O Botafogo viu sua liderança derreter, depois de uma série de viradas históricas sofridas diante de adversários diretos, além de empates contra times da parte de baixo da tabela, com gols sofridos nos últimos minutos. O clube não vence há nove rodadas e hoje ocupa a segunda colocação na tabela, com 63 pontos, três a menos que o atual líder, o Palmeiras.
A última proeza do time da Estrela Solitária nessa jornada amarga (e que prometia ser gloriosa) foi empatar com o já rebaixado Coritiba (outra SAF), nesta quarta-feira (29), em um Couto Pereira vazio e com direito a gol sofrido na bacia das almas (situação que vem se repetindo, rodada após rodada). O alvinegro abriu o placar aos 51 minutos do segundo tempo, com Tiquinho Soares. Dois minutos depois, porém, a equipe paranaense igualou a contagem, tornando ainda mais improvável as chances de título do Botafogo.
Série B
No ano passado, o Botafogo foi o clube que mais investiu em reforços no início do ano com cerca de R$ 65 milhões gastos. No fim das contas, o máximo que o clube alcançou foi uma vaga na Copa Sul-Americana. Em 2023, John Textor, dono de 90% da SAF do alvinegro, optou por despesas mais comedidas. No Campeonato Carioca, o clube fez apenas figuração, em uma disputa dominada por Fluminense e Flamengo.
No Brasileirão, porém, a sequência de bons resultados permitiu que a torcida passasse a sonhar com voos maiores, mesmo contando com um elenco modesto. Esperança que vai se esfacelando, na medida em que a competição caminha para seu desfecho.
Situações tão ou mais trágicas vivem as SAFs que se digladiam na parte de baixo da tabela. Quando a atual temporada começou, Bahia, Cruzeiro e Vasco já eram Sociedades Anônimas e contavam com investidores de peso.
Desses três, o Gigante da Colina foi o mais agressivo nas contratações. Em abril deste ano, o time cruz-maltino já somava R$ 107 milhões em reforços.
Os mais caros deles foram o atacante argentino Luca Orellano, contratado junto ao Vélez Sarsfield pelo equivalente a R$ 20,7 milhões; o lateral-esquerdo Lucas Piton, que estava no Corinthians e custou R$ 16,5 milhões; e o zagueiro Léo, vindo do São Paulo por R$ 16 milhões. Mais tarde, a 777 Partners traria Dimitri Payet, que disputou 38 jogos com a camisa da seleção da França. Na segunda janela de transferências, o clube carioca acrescentou outros R$ 11 milhões aos seus gastos com reforços.
Atualmente, o Vasco está em 16º na classificação da Série A, com 42 pontos, um a mais que o Bahia, 17º colocado e terceiro clube que mais gastou nesta temporada, com R$ 85 milhões investidos no início, além de R$ 28 milhões no meio do ano.
Entre os clubes que já eram SAFs no começo da temporada, o Cuiabá foi o que menos investiu em contratações, com pouco mais de R$ 15 milhões gastos. O time mato-grossense está em 11º lugar na tabela, acima de grandes equipes como Corinthians e Santos.
O Botafogo ficou no pelotão intermediário dos gastos e investiu R$ 28,4 milhões na primeira janela e R$ 23,5 milhões na segunda. Os valores somados representam menos da metade do que Vasco (R$ 118 milhões) e Bahia (R$ 113 milhões) destinaram para transferências no período.
Com 44 pontos, o Cruzeiro ainda tem chances matemáticas de cair, embora tenha um jogo a menos que os adversários diretos na luta contra a degola. O clube mineiro investiu um total de R$ 36 milhões, considerando-se os reforços trazidos no início e na metade do ano.
Casos à parte
O Brasileirão 2023 tem alguns casos que precisam ser considerados à parte, como o do Coritiba, já que sua transformação em Sociedade Anônima ocorreu em junho, quando o campeonato já estava em andamento. A transferência de 90% do controle do futebol para a Treecorp Investimentos foi finalizada apenas no mês passado.
Portanto, a 19ª posição do time na tabela, com somente oito vitórias e 30 pontos alcançados, dificilmente poderia ser debitada na conta da SAF. Essa mesma ponderação vale em relação ao Atlético-MG, que apenas no fim de julho deste ano tornou-se Sociedade Anônima e oficializou a venda de 75% de seu capital ao grupo dos “4 Erres”, formado pelos empresários Rubens Menin, Rafael Menin, Ricardo Guimarães e Rafael Salvador, todos atleticanos.
Com a melhor campanha do segundo turno do Brasileirão, o Galo alcançou a terceira posição na tabela nesta quarta-feira (29), após derrotar o Flamengo por 3 a 0, em pleno Maracanã. No entanto, o Atlético-MG depende de tropeços do Palmeiras para sonhar com a taça.
Outra ponto fora da curva é o América-MG, primeiro rebaixado da Série A e que obteve somente 21 pontos e quatro vitórias na competição. O clube tornou-se SAF em fevereiro do ano passado, mas não trouxe investidores. A queda para a segunda divisão do ano que vem poderá dificultar a efetivação do projeto no clube.
Muito cedo para prognósticos
Na avaliação de Fred Luz, diretor de sportainment (entretenimento esportivo) da Alvarez & Marsal, ainda é cedo para fazer prognósticos sobre o sucesso ou o fracasso do modelo das SAFs no Brasil.
“Os primeiros clubes que se tornaram SAFs estavam muito endividados. Os investidores precisaram fazer aportes nessas equipes. Mas ainda existem muitas limitações”, afirmou.
Para ele, equipes que aderiam ao modelo de Sociedade Anônima experimentam uma curva de aprendizado.
“Nenhuma transformação dá certo do dia para a noite. É tudo parte de um processo”, enfatizou.
Em seu argumento, o especialista cita o caso do Flamengo, que, apesar de não ser SAF, hoje é considerado um modelo bem-sucedido de gestão no futebol brasileiro.
“Veja como era o Flamengo, antes da chegada do Eduardo Bandeira de Mello. Eu estive lá. Foram necessários quatro anos para que o trabalho se materializasse em títulos”, ponderou.
Luz considera que a qualidade das administrações melhorou com as Sociedades Anônimas. Ele acredita que as SAFs tendem a colher melhores resultados nos próximos anos, na medida em que as iniciativas para gerar receita surtirem efeito.
“É importante ficar claro que a SAF não é garantia de que os problemas vão se resolver, embora crie melhores condições de continuidade para uma boa gestão, o que nem sempre é possível no clube associativo, que tende a ser mais suscetível a mudanças políticas. E futebol não é ciência exata. Sempre haverá um jogador que não apresentará o rendimento esperado, enquanto outros poderão superar as expectativas”, disse o especialista.
Segundo ele, a análise sobre as Sociedades Anônimas deveria fugir do olhar imediatista.
“O campeonato ainda não acabou. Mas, ainda que o pior aconteça para os times que se tornaram SAF, isso não representa uma tragédia. Se pegarmos o Botafogo, por exemplo, mesmo que ele termine em segundo, terceiro ou quarto lugar, o desempenho da equipe foi excepcional neste ano. Gosto muito de comparar os gastos que cada equipe faz no futebol e os pontos que ela conquista no Brasileirão. A melhor administração é aquela que ganha mais pontos por reais gastos. As pessoas, em geral, pensam que ou você é campeão, ou você não é nada. Mas as coisas não funcionam assim. Temos muitos exemplos de times que ganhavam tudo e acabaram se endividando e entrando em crise”, resumiu.