Reativado no começo deste ano depois de ter sido extinto pelo governo anterior, o Ministério do Esporte atravessa sua primeira grande crise, com direito a tiroteio de entidades e a uma cada vez mais provável troca no comando da pasta, como forma de garantir o apoio do “Centrão” no Congresso Nacional.
A polêmica eclodiu na semana passada, mais precisamente na quinta-feira (31), em decorrência de uma nota divulgada por diversas entidades esportivas, capitaneadas pelo Comitê Olímpico do Brasil (COB). No texto, elas afirmavam estar preocupadas com supostos “equívocos na normatização e regulação do esporte no Brasil promovidos pelo Ministério do Esporte”.
A origem da polêmica está na nova Lei Geral do Esporte (LGE), aprovada pelo Congresso em 9 de maio deste ano e que foi sancionada, com diversos vetos, pelo Presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva, em 15 de junho.
O projeto começou a ser debatido no Senado Federal em 2016. No ano seguinte, entrou em tramitação, com a denominação PLS 68/2017. Apenas em meados de 2022, após inúmeras discussões e diversas emendas apresentadas por parlamentares, é que o texto foi votado e aprovado.
Na Câmara Federal, a discussão foi bem mais rápida, mas adicionou um complicador a mais na história. Em 29 de junho daquele ano, depois de receberem a proposta enviada pelo Senado, os deputados resolveram apensá-la a outro projeto, que tramitava na Casa desde 2019 e que tinha teor parecido.
Em 6 de julho, esse outro texto acabou sendo aprovado pela Câmara, trazendo alterações significativas em relação à proposta original do Senado. Nos meses seguintes, coube à senadora Leila Barros, ex-jogadora de vôlei, o trabalho de resgatar as linhas gerais da proposta da nova LGE.
Mas o drama não acabaria por aí. Ao sancionar o projeto, o Executivo vetou uma série de dispositivos. Inicialmente, a expectativa era de que a LGE viesse para substituir a Lei Pelé (Lei 9.615, de 1998), o Estatuto do Torcedor (Lei 10.671, de 2003), a Lei de Incentivo ao Esporte (Lei 11.438, de 2006) e a Lei do Bolsa-Atleta (Lei 10.891, de 2004).
Por conta dos vetos, porém, na prática, a Lei Pelé precisou ser mantida. Atualmente, o setor aguarda a publicação do decreto que regulamentará a LGE, sobretudo em relação às lacunas que ficaram no texto.
Medo de intervenção
O decreto é justamente a causa das rusgas das entidades com o Ministério do Esporte. O grande temor do COB e demais comitês é de que a regulamentação da LGE abra uma brecha para que eles fiquem passíveis a eventuais intervenções por parte da pasta.
As entidades alegam que a minuta do decreto “esvazia as competências e autonomia das entidades privadas do esporte – na medida em que insere o Ministério do Esporte como verdadeiro interventor dessas entidades, com a palavra final sobre seus planejamentos, programas, projetos, metas, resultados, etc., englobando entidade sindical no conceito de entidade esportiva e comitês no conceito de confederações”.
“A linha de atuação política do Ministério coloca em risco a estrutura e o desenvolvimento do esporte nacional e, principalmente, o futuro do Brasil nas principais competições internacionais, e essas preocupações já foram apresentadas à pasta na expectativa de se criar um arcabouço jurídico sólido, moderno e plural, que efetivamente contribua com o esporte nacional”, acusa a nota.
Resposta
Na tarde do mesmo dia 31, o Ministério do Esporte encaminhou um comunicado à imprensa, afirmando que a nota das entidades teria causado surpresa. De acordo com o texto, a discussão sobre a regulamentação da nova LGE seria baseada no diálogo com todos os atores da comunidade esportiva e incluiria uma agenda intensa no Congresso Nacional.
A regulamentação da LGE vai respeitar a autonomia das entidades privadas que compõem o Sistema Nacional do Esporte, bem como seguir a legislação e o entendimento dos órgãos de controle, relativamente à fiscalização da aplicação de recursos públicos. Esse trabalho deve ser pautado pela observância dos princípios da administração pública e pelo paradigma vigente da integridade de entidades esportivas. Buscamos a consolidação do Sistema Nacional do Esporte, que é descentralizado, democrático e participativo, a fim de assegurar uma ação coordenada de seus integrantes, criando um ambiente esportivo para qualificar ainda mais a política pública no país.
Nota oficial do Ministério do Esporte
Regulamentação
As entidades esportivas que assinaram a nota com críticas ao Ministério do Esporte não deixaram claro quais dispositivos da regulamentação dariam brecha para intervenções governamentais.
Sabe-se que o projeto aprovado no Senado buscou impor normas mais rígidas de controle e transparência para as organizações esportivas, incluindo punições para dirigentes envolvidos em atos ilícitos ou má gestão. A tendência é de que o novo decreto aborde e regule também essas questões.
O prazo para a regulamentação da nova LGE é de 90 dias. A data final para a edição do decreto presidencial seria, portanto, em meados deste mês.
Efeito colateral?
Coincidentemente ou não, o tiroteio do COB e demais comitês contra o Ministério do Esporte ocorre no momento em que a pasta passou a conviver com a possibilidade real de entrar na dança das cadeiras do jogo do poder em Brasília (DF). Por ora, no entanto, não é possível afirmar que os dois eventos (críticas das entidades e eventual queda da ministra Ana Moser) tenham alguma correlação.
Nas últimas semanas, o Governo Lula tem procurado obter apoio de partidos do Centrão no Congresso Nacional. Para tanto, porém, os novos aliados exigem cargos no alto escalão.
Inicialmente, o PP (que havia integrado também a base de apoio do ex-presidente Jair Bolsonaro) estava de olho Ministério do Desenvolvimento Social, hoje comandado por Wellington Dias, que é ex-governador do Piauí e filiado ao PT. Essa pasta é responsável por diversos programas sociais, incluindo o Bolsa Família.
O Ministério do Esporte tornou-se atrativo politicamente por conta da regulamentação das apostas esportivas, que deve ser votada na próxima semana pela Câmara dos Deputados. A pasta ficará responsável por regular o setor, além de receber parte dos recursos arrecadados com a atividade no país.
Quando o assunto reforma ministerial passou a circular em Brasília (DF), Lula inicialmente descartou trocar o comando do Ministério do Esporte. O chefe do Executivo elogiou publicamente Ana Moser e disse que ela seria a responsável por trazer a Copa do Mundo Feminina 2027 para o Brasil.
Nesta terça-feira (4), porém, a informação no meio político era de que o órgão seria mesmo entregue ao PP. No início da noite, o ministro-chefe da Secretaria de Comunicação Social (Secom), Paulo Pimenta, declarou que a minirreforma ministerial seria anunciada dentro de algumas horas.
Segundo ele, Lula estaria debatendo o assunto com representantes do PP e do Republicanos, que deverá assumir o Ministério dos Portos e Aeroportos, hoje ocupado por Márcio França, ex-governador de São Paulo, do PSB.
Segundo o G1, o nome mais cotado para assumir o Ministério do Esporte no lugar de Ana Moser é o deputado federal André Fufuca, do PP, que é médico e tem sua base eleitoral no Maranhão. Até o fechamento desta reportagem, a troca nos comandos dos ministérios ainda não havia sido oficializada.