Em uma década, Corinthians vai do céu ao inferno, mas fundo do poço pode ainda não ter chegado

Jogadores do Corinthians reunidos no gramado da Neo Química Arena - José Manoel Idalgo / Corinthians

O ano era 2012 e o Corinthians havia acabado de conquistar a Copa Libertadores, considerada, até então, uma das principais obsessões da torcida alvinegra. Meses depois, viria ainda o Mundial de Clubes, da Federação Internacional de Futebol (Fifa), disputado no Japão.

O ápice desse processo, que teve início com a volta por cima do Corinthians em 2009 (depois do rebaixamento à Série B do Brasileirão, em 2007) e a contratação de Ronaldo Fenômeno, viria em 2014, com a inauguração da Neo Química Arena, estádio que sediou a partida de abertura da Copa do Mundo no Brasil.

Era uma época em que tudo que o Corinthians fazia, em termos de estratégias comerciais e de marketing, dava certo. A ponto de, naquele ano de 2012, o fundador e CEO da Máquina do Esporte, Erich Beting, questionar Luis Paulo Rosenberg, então diretor de marketing do Corinthians, se aquela trilha de repetidos êxitos nos negócios representava um caminho sem volta.

A resposta do dirigente, à época, foi de que não acreditava. De maneira quase profética, ele justificou sua opinião: “não confio na vaidade do ser humano”.

O inferno

O Corinthians, por assim dizer, já esteve no céu em matéria de patrocínios, faturamento e mesmo no que se refere às conquistas dentro de campo. Nos últimos tempos, porém, o clube tornou a conhecer o inferno em todas essas áreas.

No ano passado, por exemplo, o Alvinegro não conquistou nenhum título de expressão e ainda rondou durante um bom tempo a zona de rebaixamento da Série A do Brasileirão. Na realidade, o ex-presidente Duilio Monteiro Alves foi o primeiro mandatário corintiano, nos últimos 36 anos, a não conquistar uma taça profissional sequer, no futebol masculino, durante todo o seu mandato.

O rebaixamento não veio, e o clube ainda viu a chapa de oposição, liderada pelo empresário Augusto Melo, derrotar o grupo de situação, encabeçado por André Luiz de Oliveira.

Ligada ao ex-presidente Andrés Sanchez, a chapa derrotada estava há 16 anos no comando do Corinthians, tendo sido responsável tanto por retirar o clube do inferno da Série B quanto também por semear as condições que o devolveriam à escuridão (onde há choro e ranger de dentes).

Isso porque, na medida em que alcançava sucessos dentro e fora de campo, o Corinthians também via suas finanças degringolarem em uma proporção ainda maior.

Uma das principais causas do endividamento do clube, que hoje beira R$ 2 bilhões, consiste justamente na Neo Química Arena, por ironia o maior símbolo da era gloriosa alvinegra na década passada.

Sozinho, o estádio localizado na zona leste de São Paulo respondia por R$ 703 milhões da dívida bruta corintiana em 2023, em uma conta que não para de crescer por causa dos juros (era de R$ 566 milhões em 2020).

Durante a disputa eleitoral, realizada no ano passado, Duilio ainda divulgou notícias de que estaria chegando a um acordo com a Caixa, a fim de quitar a dívida da Neo Química Arena. Esse representava o último trunfo da chapa da situação para tentar se manter no poder.

Com a chegada da oposição ao poder, parte da torcida passou a nutrir esperanças de que a má fase seria, enfim, deixada para trás. Logo em suas primeiras semanas na presidência, Augusto Melo anunciou o acordo com a empresa de apostas VaideBet, com duração de três anos e avaliado em R$ 370 milhões, considerado o maior contrato de patrocínio máster da história do futebol brasileiro.

Quando tudo parecia caminhar bem, porém, a nova gestão afundou-se em uma crise política, que teve como ápice a saída do diretor de futebol Rubens Gomes, mais conhecido como Rubão, que havia sido o principal articulador da campanha vitoriosa de Melo.

Ao mesmo tempo, o contrato com a empresa passou a ser alvo de questionamentos e polêmicas, por conta da divulgação da notícia de que houve intermediação no acordo (inicialmente, o clube havia informado que a negociação havia sido feita diretamente com a VaideBet).

Em meio a esse tiroteio, o superintendente de marketing Sérgio Moura optou por se afastar do cargo para se defender das denúncias relativas ao contrato e também processar detratores, por calúnia e difamação (ele não poderia ingressar com essas ações, se permanecesse vinculado ao Corinthians).

Na semana passada, a VaideBet decidiu romper o contrato de maneira unilateral, deflagrando a maior crise (até agora) da gestão de Melo. Enquanto nos bastidores o ambiente do Corinthians ferve, nos gramados o time acumula dissabores. Atualmente, soma apenas uma vitória na Série A do Brasileirão e está na briga contra a zona de rebaixamento desde o início da competição.

Ainda faltam muitas rodadas para o fim do campeonato, e a equipe ainda tem plenas condições de se recuperar. Mas é sempre bom recordar que o fundo do poço nem sempre está tão perto quanto desejaríamos. Sempre é possível despencar ainda mais, dependendo dos caminhos escolhidos pelos personagens envolvidos na história.

Início do ciclo virtuoso

Os processos históricos, mesmo aqueles que envolvem o esporte, são complexos. De um modo geral, é fácil reconhecer quando tudo começou a dar certo. Mas nem sempre é simples notar quando as coisas passaram a desandar.

No caso do Corinthians, a virada que fez o clube entrar na fase gloriosa foi a contratação de Ronaldo Fenômeno, em 8 de dezembro de 2008. Longe da forma física do auge da carreira, o artilheiro da Copa do Mundo de 2002 deixou o Milan naquele ano, após passar meses parado, devido a mais uma lesão.

Sem grandes perspectivas na Europa, Ronaldo retornou ao Brasil, em meados de 2008, passando a treinar nas dependências do Flamengo, seu clube do coração. Enquanto fazia o trabalho de recuperação física, o atleta era envolvido em boatos de que poderia ser contratado por equipes da Inglaterra ou da França. Nenhum deles se concretizou. E o time da Gávea não apresentou qualquer projeto concreto ao jogador.

Assim, em dezembro daquele ano, Ronaldo seria apresentado por Andrés Sanchez à torcida corintiana. Logo em seu primeiro semestre com a camisa do clube, o atacante foi fundamental para a conquista do Campeonato Paulista e da Copa do Brasil de 2009.

Nos meses seguintes, mesmo com um desempenho muito inferior dentro de campo, Ronaldo seguiu sendo fundamental para o Corinthians. Principal ídolo do futebol brasileiro à época, o jogador possuía fortes contatos no mundo publicitário, ajudando a atrair poderosos patrocínios ao clube.

Para se ter uma ideia do que representou a chegada do astro ao Parque São Jorge, em abril de 2009 o Corinthians somava R$ 30 milhões em patrocínio na temporada, tornando-se o clube brasileiro a mais faturar com essa fonte de receitas. Isso representava, por exemplo, o dobro do obtido pelo São Paulo, que vinha de três títulos brasileiros seguidos.

Nos anos subsequentes, as receitas do Corinthians cresceriam ainda mais, sendo acompanhadas pela conquista de títulos nacionais e internacionais importantes, culminando na inauguração do estádio próprio (outro antigo sonho da torcida) para a Copa de 2014.

Na opinião de Erich Beting, o clube aproveitou a combinação de alguns fatores: a proximidade da Copa do Mundo e o apelo comercial de uma marca como Ronaldo atrelada ao clube.

“Ronaldo foi a resposta que o Corinthians precisava dar para enterrar de vez o passado da Série B. Sua chegada ao clube também aconteceu na época em que o mercado de patrocínios viveu o boom da década de Copa do Mundo e Jogos Olímpicos. Foi a combinação perfeita. Ronaldo trouxe desempenho esportivo e credibilidade para os negócios da marca Corinthians. A saída dele do clube, em 2011, foi amenizada pelas conquistas em 2012, da Libertadores e do Mundial. Com a construção da Arena Corinthians, o clube virou a referência”, destacou o fundador e CEO da Máquina do Esporte.

O começo da derrocada

Identificar o ponto em que a derrocada do Corinthians tornou-se um processo irreversível é algo mais difícil de se definir. Para se ter uma ideia, em 2016 o clube conseguiu fechar um patrocínio máster com a Caixa, com valor superior ao do Flamengo, time de maior torcida do país.

O banco estatal pagou R$ 30 milhões ao Corinthians, enquanto a equipe carioca recebeu R$ 25 milhões em seu contrato. Naquele mesmo ano, a Caixa acertou patrocínios de R$ 12,5 milhões a Cruzeiro e Atlético-MG e de R$ 9 milhões ao Vasco.

O Corinthians, portanto, tinha fontes de receitas superiores às da maioria dos grandes clubes brasileiros. Vale lembrar que, em 2011, o clube foi um dos responsáveis, ao lado do Flamengo, por implodir o Clube dos 13, entidade criada em 1987 com o objetivo inicial de tentar criar uma liga que seria responsável por organizar o Campeonato Brasileiro, mas que depois passou a negociar os direitos de transmissão da Série A.

Negociando diretamente com o Grupo Globo, Flamengo e Corinthians passaram a receber cotas de TV muito maiores que as dos rivais. À época, porém, o clube carioca ainda passava por um momento de reconstrução de suas finanças, com a adoção de remédios amargos que incluíram cortes severos de despesas.

O Corinthians, por seu turno, investiu na montagem de times competitivos, que o levaram a empilhar troféus. Além da Copa Libertadores e do Mundial, o time conquistou, na década passada, quatro Campeonatos Paulistas e três Brasileirões, sendo o último em 2017.

A partir do ano seguinte, porém, novas forças se consolidariam no futebol brasileiro, a partir de um modelo distinto de gestão, adotado por equipes como Flamengo e Palmeiras, cujo sucesso se baseia na redução do endividamento e na ampliação das fontes de receitas.

Com as dívidas crescendo de maneira exponencial, o Corinthians perdeu o poder de investimento, mesmo com seu faturamento se mantendo elevado.

Para Erich Beting, a derrocada corintiana curiosamente tem início naquele que foi o auge do sucesso alvinegro.

“O problema, por mais paradoxal que seja, é a construção da Arena. No afã de ter um estádio próprio, o clube se endividou e, mais do que isso, comprometeu toda receita futura para pagar a dívida. Desde que o estádio começou a funcionar, o dinheiro com renda não vai para o clube. Ele estrangulou uma de suas maiores fontes de receita dos anos de Ronaldo”, explicou.

Em uma entrevista coletiva concedida nesta segunda-feira (10), Augusto Melo informou que o clube paga em torno de R$ 200 milhões ao ano em juros.

O cartola disse que tem realizado conversas com a Presidência da República e a Caixa, buscando solucionar o problema da dívida da Neo Química Arena.

“Esse é o sonho de toda a nossa torcida”, disse.

Futuro incerto

O Corinthians vive momentos de incerteza no campo das finanças. Augusto Melo diz estar negociando com empresas interessadas em assumir o patrocínio máster do clube, mas é difícil cravar que os valores obtidos, em meio a este cenário de crise, serão iguais ou superiores aos acertados com a VaideBet.

Nesta terça-feira (11), o dirigente esportivo e o CEO da Ezze Seguros, Richard Vinhosa, emitiram uma nota conjunta para garantir que a empresa permanecerá ocupando o espaço nas costas da camisa corintiana.

A medida foi necessária porque, após a coletiva de Melo, passaram a circular rumores de que a marca deixaria o clube.

Convivendo com a necessidade urgente de reduzir seu endividamento, ampliar seu faturamento e ainda obter resultados nos gramados, o Corinthians ainda teve de lidar, nesta semana, com a recusa de Marcelo Paz ao convite para ocupar o cargo de CEO.

O assunto chegou a ser abordado por Melo na coletiva, embora ele não tenha revelado o nome de Paz. O atual CEO do Fortaleza admitiu, em entrevista a um podcast, que chegou a conversar com o presidente do Corinthians. No fim das contas, o executivo optou por permanecer no clube nordestino.

Na visão de Erich Beting, o grande desafio do Corinthians será recuperar a estabilidade política para poder voltar a sonhar com a recuperação do protagonismo. Dentro e fora de campo.

“Não há muito segredo. O clube precisa parar de ser uma bomba-relógio de crise política. Mas esse é só o primeiro passo. Depois, é preciso reorganizar as finanças, sem pensar em construir times vencedores, mas competitivos. Só depois é que o gigante adormecido pode retornar. Foi o que Flamengo e Palmeiras, cada um a seu jeito, fizeram”, concluiu.

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