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República Democrática do Congo se inspira em rival Ruanda e passa a patrocinar Milan e Monaco

Países africanos enfrentam um conflito armado que já dura décadas e provocou o deslocamento de 7 milhões de pessoas

Monaco é um dos clubes que serão patrocinados pela República Democrática do Congo - Divulgação

Segundo maior país africano, a República Democrática do Congo possui uma história conturbada, marcada pela colonização belga (que escravizou a população e resultou no genocídio de 10 milhões de pessoas), golpes de estado (o mais famoso deles, liderado pelo ditador Mobuto Sese Seko, mudou o nome da nação para Zaire, de 1971 a 1997) e conflitos bélicos.

O mais recente deles envolve a rebelião do Movimento 23 de Março (M23), milícia patrocinada pelo governo de Ruanda e que vinha provocando o caos no leste do país.

Na última sexta-feira (27), representantes das duas nações se reuniram na Casa Branca, em Washington, para selar um acordo de paz, que busca dar fim ao conflito responsável pelo deslocamento forçado de 7 milhões de pessoas e que lançou 28 milhões de congoleses à condição de fome aguda.

Na mesma semana em que resolveu (em tese) as diferenças com a nação rival, a República Democrática do Congo anunciou acordos de patrocínio esportivo inspirados em Ruanda.

O país firmou parcerias com o Milan e o Monaco, por meio da marca DRC Hearth of Africa (República Democrática do Congo Coração da África, na tradução livre).

A estratégia que move esse patrocínio é muito similar à adotada por Ruanda, com o Visit Rwanda, presente em uniformes de clubes como Bayern de Munique, Atlético de Madrid e Arsenal.

Ou seja, usar a projeção proporcionada pelas equipes europeias para atrair turistas ao país, ajudando assim a diversificar sua economia.

Nesses times, a parceria com Visit Rwanda vinha sendo alvo de críticas justamente por conta do apoio do governo do presidente Paul Kagame à milícia que atuava no território do Congo.

Monaco

No caso do Monaco, a parceria será válida até 2028 e prevê a exposição da marca RDC Hearth of Africa nas mangas da camisa da equipe.

De acordo com comunicado feito pelo clube da Ligue 1, o acordo buscará “contribuir para o desenvolvimento do futebol congolês e ampliar a influência internacional do país”.

Para o Monaco, a parceria se torna estratégica, já que o clube possui um perfil formador (entre 2013 e 2022, foi o time que mais faturou com a venda de atletas no mundo, ganhando um total de € 1,1 bilhão no período) e terá acesso facilitado para garimpar novos talentos na República Democrática do Congo, que possui a quarta maior população da África, com cerca de 106 milhões de habitantes.

O comunicado cita atletas nascidos no país e que brilharam no Monaco, como Shabani Nonda (145 jogos, 67 gols, artilheiro da Ligue 1 em 2003) e Cédric Mongongu (94 jogos pelo clube e 40 pela seleção congolesa).

“A parceria fortalece esse vínculo e abre novas perspectivas para futuros jogadores de futebol na RDC”, diz o texto.

“Este não é apenas um acordo, é uma visão de 360 graus para o nosso futuro, construída sobre unidade e determinação. Juntamente com os Ministérios da Cultura e do Turismo, estamos unidos por um compromisso comum: construir indústrias fortes que beneficiem a todos. Pela minha parte, estou convencido de que podemos criar um ambiente desportivo próspero”, afirmou Didier Budimbu, ministro do esporte e recreação da República Democrática do Congo.

Milan

Para time italiano, a parceria também terá como um dos pilares a busca por novos talentos. O acordo prevê a instalação de uma Academia do Milan no país, que, segundo comunicado feito pelo clube, “promoverá o bem-estar dos jovens atletas em um ambiente seguro e saudável, garantindo um impacto positivo duradouro em uma região onde a paixão pelas cores rossoneri é profunda”.

Além de garimpar jovens craques, o patrocínio tem o objetivo de reforçar a presença do Milan no continente. O clube estima possuir 17 milhões de torcedores na África Subsaariana.

O acordo contemplará ainda ações sociais voltadas às comunidades locais, por meio da Fondazione Milan, além da construção de uma escola na cidade portuária de Boma, em parceria com a Fondazione Mama Sofia, fundada por Zakia Seddiki Attanasio, esposa do embaixador italiano na República Democrática do Congo, Luca Attanasio.

Essa escola é que servirá de base para a instalação da futura Academia do Milan no país.

Política

O acordo do Milan com a República Democrática do Congo possui também um fundo político, que ficou explícito na declaração feita pelo presidente do clube, Paolo Scaroni.

“Como clube, optamos por participar do início de uma colaboração inovadora que visa contribuir para os planos de desenvolvimento da República Democrática do Congo nas esferas econômica e social, em continuidade com a visão do governo italiano de cooperação internacional e em linha com os objetivos do Plano Mattei para a África”, disse o dirigente.

O Plano Mattei, mencionado pelo dirigente, é uma iniciativa aprovada pelo parlamento Itália em março deste ano, que prevê investimentos de € 5,5 bilhões a serem feitos pelo país europeu no continente africano.

O plano possui dois objetivos principais. Um deles seria o de impulsionar economicamente as nações africanas, de modo a evitar futuras correntes migratórias.

Localizada às margens do Mar Mediterrâneo, a Itália tem sido um dos principais acessos para imigrantes vindos da África rumo à Europa.

A atual primeira-ministra do país, Giorgia Meloni, chegou ao poder apoiando-se justamente no discurso anti-imigração.

Mas a grande finalidade dos investimentos previstos no Plano Mattei é garantir o acesso privilegiado da Itália aos recursos naturais dos países africanos, em especial o petróleo e o gás natural.

Hoje, 79,2% das necessidades energéticas do país são supridas por combustível importado, acima da média da União Europeia, que é de 63%.

A Guerra da Ucrânia, que afetou a oferta de petróleo e gás russos para a Europa Ocidental, serviu como um alerta para Itália, de que ela deveria diversificar seus fornecedores de energia.

Hoje, a petrolífera italiana Eni já extrai 50% de seus recursos no continente africano. Com o Plano Mattei, a expectativa do governo, que detém 30% das ações da companhia, é ampliar esse percentual.

Um dado curioso é que, antes de assumir a presidência do Milan, em 2018, Scaroni atuou durante nove anos como CEO da Eni. Durante sua gestão, encerrada em 2014, o patrimônio líquido da empresa saltou de € 39 bilhões para € 61 bilhões.