A publicação, por parte do Presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva, da medida provisória (MP) que busca regulamentar o setor de apostas esportivas no Brasil teve grande repercussão ao longo desta terça-feira (25).
De um modo geral, especialistas e entidades que representam as empresas do ramo de apostas enxergam avanços no texto elaborado pelo Ministério da Fazenda (em parceria com o Ministério do Esporte) e que agora seguirá para análise do Congresso Nacional. O prazo para a MP ser votada por deputados e senadores é de 120 dias.
Da parte das empresas, porém, já é possível notar uma crítica que se manifesta, por ora, em forma de alerta, por conta do aumento da taxação sobre o GGR (gross gaming revenue, na sigla em inglês), que representa a quantia arrecadada pelas empresas com as apostas, menos os prêmios pagos aos apostadores.
A Lei Federal 13.756, de 2018, que autorizava as casas do setor a operarem no Brasil, previa que essas empresas seriam taxadas em 5%.
O texto da MP das Apostas estabelece o percentual de taxação sobre o GGR em 18%, sendo 10% destinados para seguridade social, 2,55% ao Fundo Nacional de Segurança Pública (FNSP), 1,63% para entidades esportivas brasileiras por cessão de direitos de imagem, 0,82% para os ensinos fundamental e médio, e 3% para o Ministério do Esporte (Mesp).
O argumento das entidades que representam o mercado de apostas é de que a tributação não ficará limitada a essa alíquota, já que as empresas do setor terão de arcar com outros impostos e contribuições para poderem operar no Brasil.
Em uma nota divulgada logo pela manhã desta terça-feira (25), a Associação Nacional de Jogos e Loterias (ANJL) defendeu aquilo que chamou de “critérios justos e razoáveis” para as alíquotas de tributação sobre empresas e prêmios de apostadores.
“Taxar tanto os sites de apostas quanto os prêmios dos apostadores em níveis como os que têm sido discutidos, que superam a casa dos 30%, tende a gerar efeitos indesejados, tanto pelos operadores quanto pelo governo”, afirmou Wesley Cardia, presidente da ANJL.
Temor por mercado paralelo
No caso da ANJL, a linha geral da nota divulgada à imprensa foi de comemoração, apesar da ressalva feita em relação à tributação. Já Arthur Silva, diretor técnico do Instituto Brasileiro de Jogo Responsável (IBJR), optou por um tom mais contundente na crítica à carga tributária.
Em entrevista à Máquina do Esporte, ele disse considerar um avanço a edição da MP das Apostas, por permitir que o Estado possa arrecadar com a atividade, mas destacou que o texto atual representa uma “faca de dois gumes”, por conta da taxação prevista.
“A carga tributária do setor ficará acima dos 30%, o que nos colocaria entre as mais elevadas do mundo. Isso representa um alerta vermelho para todos os envolvidos nesse debate, pois o nível de tributação pode tornar nosso país desinteressante para investidores e fomentar o mercado paralelo”, afirmou.
Silva citou Portugal e França como exemplos de países que, devido às tributações mais altas, acabaram perdendo investidores. O Reino Unido, em contrapartida, onde a carga tributária do setor de apostas gira em torno de 15%, foi apontado por ele como um caso bem-sucedido de regulamentação da atividade.
“A bola agora está com o Congresso, que pode definir essa questão tributária, permitindo que tenhamos um mercado atrativo para as empresas e os jogadores”, enfatizou.
Udo Seckelmann, advogado especialista em apostas, também vê a tributação como um aspecto negativo da MP.
“Isso tende a ser prejudicial ao mercado brasileiro, visto que pode afastar operadores e apostadores para o mercado não regulamentado em razão da alta tributação”, afirmou à Máquina do Esporte.
Pontapé inicial
De acordo com Seckelmann, por enquanto o mercado brasileiro permanece desregulamentado.
“A MP é o pontapé inicial para a regulamentação, que deve ser efetivamente concretizada após a publicação de uma série de portarias pelo Ministério da Fazenda”, explicou.
Apesar das ressalvas feitas à tributação prevista na MP, especialistas e entidades também destacaram pontos positivos no texto elaborado pelo Governo Federal.
O simples fato de o país passar a contar com um regramento para essa atividade foi motivo de celebração, por parte da ANJL.
“O texto editado pelo governo atende a uma expectativa de mais de quatro anos das casas de apostas, sendo o primeiro passo para a transformação do setor no Brasil. Hoje, convivem, no país, empresas que buscam as melhores práticas internacionais, conformes à regulamentação e à tributação justa, e aquelas oportunistas, que, nos bastidores, torcem para que nada mude, para continuar operando à margem das regras”, disse Wesley Cardia.
Entre os aspectos positivos destacados por Udo Seckelmann está o combate ao mercado não licenciado, que se dará mediante o bloqueio de sites de operadores não licenciados; o veto aos arranjos de pagamentos e às instituições financeiras de prestarem serviços a operadores que não tenham autorização para funcionar no Brasil; e a proibição de patrocínio ou publicidade de empresas não licenciadas no país.
Integridade esportiva
Na avaliação do especialista em compliance Ian Cook, a MP trará impactos significativos na questão da integridade esportiva.
“A partir de agora, vamos efetivamente ver a indústria funcionando em território nacional, com tudo aquilo que esperamos em relação a controles e proteção aos apostadores e às próprias casas de apostas. E também da integridade do esporte”, destacou.
Segundo Cook, a MP traz trechos que poderão contribuir para o combate às manipulações, como as observadas no escândalo recente registrado no país, envolvendo jogadores de diferentes divisões do Brasileirão.
“Existe um inciso específico nessa medida provisória que fala que o operador deve reportar ao Ministério da Fazenda eventos suspeitos de manipulação, no prazo de cinco dias úteis. Isso é de extrema importância, traz a responsabilização e vai contribuir para o combate à manipulação de resultados no Brasil”, finalizou.