Livro sobre carreira de Muhammad Ali conta relação do pugilista com o Brasil

Obra escrita em 1974, pouco após a “luta do século” entre Ali e George Foreman, “Muhammad Ali: o boxe como arte e promoção pessoal”, de Alberto Helena Jr. (Garoa Livros, 2022), também resgata fatos menos conhecidos da biografia do pugilista. O livro ganha reedição no marco de 80 anos de Muhammad Ali, comemorados em 2022, e dos 80 anos do jornalista, completados no ano passado.

O mais curioso deles foi uma esquecida viagem ao Brasil. Ali chegou a São Paulo em 16 de setembro de 1971 como parte de um tour pela América Latina. O pugilista vivia um momento de baixa após covardemente ter seu título mundial destituído pela AMB (Associação Mundial de Boxe) por se recusar a servir o Exército dos Estados Unidos na Guerra do Vietnã.

Nessa viagem pelos países mais pobres da América, o lutador participou de alguns eventos de exibição em que chegou até a ir à lona, o que era uma novidade na época. Mas ninguém sabia se Ali estava realmente combatendo a sério.

Trazido pelo empresário Marcos Lázaro, o norte-americano viveu episódios curiosos no país. Participou de uma dessas lutas caça-nível em São Paulo. Inicialmente se pensou em colocar o multicampeão para enfrentar Luís Faustino Pires, para muitos o melhor pesado da história do boxe nacional.

Pires, porém, estava prestes a fazer uma luta eliminatória pelo título mundial da AMB e não quis arriscar se machucar. De fato, meses depois, enfrentou Foreman em Nova York, tendo perdido por nocaute técnico no quarto assalto após ter o braço fraturado pelos potentes golpes do futuro campeão mundial.
Sem o principal pugilista brasileiro da categoria, optou-se por escalar Alonzo Johnson, sparring de Ali, e o argentino Alberto Lowell Jr. Cada um enfrentou o norte-americano por cinco rounds, o que com certeza tirou o pouco ar de seriedade que cercava o evento.

Achou curioso ao entrar em uma drogaria, na Avenida São João, para fazer um curativo, o farmacêutico ter feito pouco caso de seu currículo, obrigando-o a esperar. “Gosto do Brasil, gosto dessa gente que parece não se preocupar com nada”, segredou a um amigo.

Alberto Helena Jr. mostra a genialidade de um pugilista que não se limitou a ser um dos melhores pugilistas de todos os tempos. Mas que também foi um grande ativista contra o racismo nos Estados Unidos. Ali foi um showman muito antes de essa palavra ser inventada. Sabia como ninguém criar clima de expectativa para suas lutas com declarações polêmicas e provocações aos adversários.

Depois de Ali, tal estratagema passou a ser tão utilizado por lutadores que esse tipo de atitude até já cansou o público. Mas em Ali era novidade.

Dos livros que têm Ali como o protagonista já publicadas no Brasil, uma obra se destaca: “A luta” (Companhia das Letras), de Norman Mailler, que aborda o combate épico entre Ali e Foreman no então Zaire e virou um clássico na literatura esportiva. “O rei do mundo” (Companhia das Letras) conta o combate entre Ali e Sonny Liston, que rendeu ao primeiro o cinturão dos pesados. Na obra, David Remnick, editor da revista New Yorker por décadas, mostra como os lutadores tinham perfis opostos, o que favoreceu Ali a ganhar a guerra psicológica em torno da luta.

Nenhuma obra é mais detalhada do que “Muhammad Ali: uma vida” (Ed. Record), de Johathan Eig, lançada em 2020. Mas, mesmo esse calhamaço de 862 páginas, que cumpre bem o papel de dar conta da vida cheia de percalços do lutador, ignora a viagem ao Brasil.

O livro de Alberto Helena Jr. tem esse mérito: traz a visão de um grande jornalista brasileiro sobre um ícone do esporte mundial, jogando luz em episódios pouco conhecidos.

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