Abílio Diniz sempre fez questão de dizer que nunca pensou em deixar um legado em sua atribulada vida empresarial. Morto na noite deste domingo (18), aos 87 anos, o empresário brasileiro, porém, deixou uma enorme contribuição para o esporte – direta ou indiretamente.
“Eu nunca me preocupei com o legado. Eu gosto do aqui e do agora. Pensar no que eu vou deixar? Eu não vou ver, nem nada. Quero saber o que eu estou dando agora, o que eu estou fazendo. A minha preocupação é com o meu trabalho, os meus esportes e a minha família, que é o mais importante”, declarou, em entrevista recente à CNN, e que perpetuou em uma postagem em seu perfil no Instagram no último dia 10 de janeiro.
Apaixonado por esporte, tanto como espectador quanto como praticante, Abílio Diniz levou a veia empreendedora para dentro do mercado esportivo brasileiro. “Fazendo” sem se preocupar com o que seria deixado como obra, o empresário conseguiu alguns feitos importantes para o esporte no país.
Abílio e a Corrida de Rua
O primeiro deles foi com o movimento das corridas de rua. E a história seguiu o roteiro de envolvimento de trabalho, esporte e família. Em 1992, o Pão de Açúcar criou um clube de incentivo à prática de corrida para seus funcionários. A ideia surgiu depois que Ana Maria Diniz e João Paulo Diniz, filhos de Abílio e executivos da rede de supermercados, correram a Maratona de Nova York em 1990 e 1991, respectivamente.
Ambos sugeriram a criação do Pão de Açúcar Club para incentivar a prática da corrida aos funcionários como meio de combate ao sedentarismo e melhoria de saúde dos colaboradores. A ideia ganhou corpo e, em 1993, Abílio decidiu bancar a Maratona Pão de Açúcar de Revezamento, recebendo um total de mil atletas nas ruas de São Paulo (SP).
Ao longo de 30 anos, a prova passou a ser uma das mais importantes do calendário de corridas de rua de São Paulo e foi a precursora do movimento que hoje é responsável por levar milhões de pessoas a correrem provas por diferentes cidades do Brasil. Na capital paulista, a Maratona Pão de Açúcar é reconhecida como uma das principais provas de entrada de atletas amadores para o movimento da corrida.
Futebol: paixão e negócio
Outro legado importante trazido por Abílio Diniz foi no futebol. Torcedor fervoroso do São Paulo, o empresário nunca chegou a ter cargo diretivo no clube de coração, mas sempre atuou próximo de presidentes são-paulinos ao longo da história.
A maior contribuição para o esporte mais popular do país, porém, veio de outra forma. Em 2004, Diniz lançou um projeto social envolvendo o Grupo Pão de Açúcar que veio a se transformar em dois times de futebol profissional que, hoje, disputam campeonatos em São Paulo e no Rio de Janeiro.
Em 2003, o empresário se uniu ao executivo José Carlos Brunoro e lançou a Super Copa Compre Bem, um campeonato para jovens atletas de baixa renda. A competição teve como garoto-propaganda o lateral-direito Cafu, que um ano antes havia sido pentacampeão mundial com a seleção brasileira. O mote da campanha era que o garoto que se inscrevesse no torneio poderia “escolher” o futuro entre ser Cafu ou Abílio Diniz.
O projeto teve como objetivo criar um torneio para selecionar 72 atletas para jogarem, a partir de 2004, no Pão de Açúcar Esporte Clube (PAEC). A projeção de Abílio e Brunoro era de que cerca de 700 crianças demonstrariam interesse em disputar o torneio.
Com 70 mil inscrições, o projeto se tornou um case de sucesso de projeto social envolvendo o esporte. E fez o Pão de Açúcar sonhar ainda mais alto. Em 2005, a mesma competição foi criada no Rio de Janeiro, mas com o nome de Copa Sendas, outro supermercado do Grupo Pão de Açúcar. O time seguiu com o nome da rede carioca até 2011, quando o grupo decidiu “unificar” a marca dos dois clubes, que passaram a se chamar Audax.
Em 2013, o Audax Rio disputa a primeira divisão do Campeonato Carioca, enquanto o Audax de São Paulo finalmente conquista o acesso à Série A1 do Campeonato Paulista. O projeto de Abílio, porém, sofre por conta da briga sobre o controle do Grupo Pão de Açúcar.
Derrotado na Justiça pelo grupo francês Casino, maior acionista do grupo, Abílio perde o controle da rede de supermercados. E, sob nova direção, a venda do Audax é feita para o Grêmio Osasco e um grupo de investidores. O “legado” do executivo acaba sendo desfeito.
A paixão pelo alto rendimento
Atleta amador de excelência, Abílio Diniz também fez da paixão pela ciência do esporte uma forma de construção de legado para o esporte brasileiro. Em 2011, com o Brasil eleito sede de Copa do Mundo (2014) e Jogos Olímpicos (2016), Diniz decidiu montar um projeto focado em alta performance esportiva.
Ao lado do filho João Paulo, investiu na formação do Núcleo de Alto Rendimento (NAR), usando a sede do PAEC, em São Paulo, para abrigar o projeto. Sob supervisão do fisiologista Irineu Loturco, os Diniz investiram em equipamentos de última geração para mapear os atletas e dar a eles melhores condições de preparo e recuperação para as competições.
O NAR se tornou, rapidamente, referência para atletas que disputavam os Jogos Olímpicos. Sem qualquer custo para eles, a estrutura do núcleo era usada para auxiliar na preparação dos brasileiros.
Com o fim da gestão do Pão de Açúcar, o NAR passou a ser bancado pelo Instituto Península, que cuidava de toda a fortuna de Abílio e se transformou em um veículo de transformação social com investimentos em projetos de educação e esporte. Até hoje, o centro é a principal referência em preparação esportiva do país, atendendo mais de mil atletas e capacitando profissionais para atuarem na área de ciência do esporte.
Abílio Diniz viveu sem se preocupar com o legado que deixaria. Mas o esporte brasileiro perdeu, no dia 18 de fevereiro de 2024, um de seus maiores entusiastas e “fazedores”.