Enquanto as arenas tradicionais vibram com recordes e medalhas, um fenômeno silencioso remodela o cenário esportivo: as novas gerações não buscam apenas competição; elas querem tribos. Millennials e Geração Z estão migrando em massa para atividades que oferecem identidade, comunidade e estética integrada, transformando o esporte em estilo de vida. O surfe, o skate e o fenômeno Hyrox personificam essa transcendência, ecoando um movimento que ultrapassa até as fronteiras esportivas, como demonstra o caso icônico da Harley-Davidson.
Surfe
A World Surf League (WSL) vai muito além da organização de provas; ela atua como curadora de um estilo de vida planetário. O surfe é, antes de tudo, um diálogo íntimo com a natureza ritual de respeito ao oceano que se manifesta na moda despojada, na trilha sonora que vai do reggae ao surf rock, e na busca obsessiva pelo “pico” perfeito. Essa filosofia de liberdade conquistou 50 milhões de surfistas globais em 2023, um salto de 42% desde 2015, em que um em cada três praticantes têm entre 16 e 24 anos.
Nas redes sociais, o apelo geracional é incontestável: a WSL registrou 70% mais visualizações digitais entre 2019 e 2023, com 80% do público abaixo dos 34 anos. Prova de que não se consomem apenas manobras, mas um sonho de vida que movimenta US$ 13,2 bilhões em moda relacionada.
Skate
Nascido do concreto como grito de rebeldia, o skate preservou sua essência criativa mesmo após a consagração olímpica. Sua cultura pulsante tecida por grafites, trilhas punk-hip-hop e estética disruptiva transformou eventos como os X Games e a Street League Skateboarding (SLS) em festivais de tribo. O crescimento pós-Tóquio 2020 é emblemático: 34% mais jovens praticantes nos EUA, com 70% dos skatistas ativos abaixo dos 25 anos.
Nas plataformas digitais, o fenômeno explode: hashtags como #skatelife ultrapassam 5 milhões de postagens no Instagram, enquanto vídeos acumulam mais de 10 bilhões de visualizações anuais no TikTok. Evidência de que, para a Geração Z, o skate é linguagem de expressão, em que atitude vale mais que pódios.
Hyrox
O Hyrox surgiu como um furacão no mundo fitness, combinando corrida e exercícios funcionais, mas seu diferencial é a comunidade feroz que construiu. Este é o antídoto ao treino solitário: eventos são celebrações coletivas em que 92% dos participantes citam o “sentido de tribo” como motivação central. Não à toa, disparou de 3.500 atletas em 2018 para 650 mil em 2025, ultrapassando 1 milhão de ingressos vendidos globalmente. Se 75% dos competidores têm entre 25 e 39 anos, a magia está na inclusão geracional: categorias másteres (até 70+ anos) atraem veteranos que buscam superação coletiva, provando que o espírito de comunidade não tem idade.
A hashtag #hyrox, com crescimento de 200% em engajamento, consolida uma identidade forjada em suor compartilhado, em que Millennials, Geração Z e Baby Boomers celebram juntos. E o Brasil já faz parte dessa revolução: os primeiros eventos oficiais ocorrerão em São Paulo (SP), no dia 20 de setembro, e, depois, no Rio de Janeiro (RJ), no dia 29 de novembro.
Harley-Davidson
A prova de que esse fenômeno transcende o esporte está nas estradas. A Harley-Davidson não vende motos; ela vende símbolos de liberdade e irmandade que atraíram 62% de compradores pertencentes aos Millennials e à Geração Z em 2023. O ecossistema de lifestyle da marca movimenta US$ 1,7 bilhão em vestuário (23% da receita total), enquanto eventos como o Sturgis Rally atraem 40% de público abaixo de 35 anos. Como no surfe, no skate e no Hyrox, o produto é um veículo para algo maior: pertencimento a uma tribo com rituais próprios.
Os números gritam a verdade: 78% da Geração Z prefere investir em experiências comunitárias do que em bens materiais, enquanto 61% buscam esportes que ofereçam identidade além do exercício. Quando 87% descobrem novas atividades via redes sociais, fica claro que o pódio deixou de ser o destino. O verdadeiro prêmio é a estética que comunica quem você é, a tribo que te reconhece.
Nesta era digitalmente fragmentada, esses ecossistemas oferecem âncoras de autenticidade. O futuro do esporte não se joga em estádios. Ele vive-se nas ruas, onde praticantes de skate desenham liberdade; nas praias, onde surfistas cultuam o oceano; e nas arenas, onde atletas do Hyrox transformam suor em irmandade.
Porque vencer, afinal, deixou de ser sobre cruzar a linha primeiro. É sobre pertencer.
Romulo Macedo é mestre em Gestão da Experiência do Consumidor e especialista em Gestão Esportiva, com papéis relevantes em diversos eventos esportivos mundiais