A banalização dos crimes no esporte e o contra-ataque necessário

Juan Pablo Vojvoda, técnico do Fortaleza, com a camisa salpicada de manchas de sangue, em ação contra a violência - Mateus Lotif / Fortaleza

É difícil fugir do senso comum e dos clichês quando falamos sobre violência e ódio no futebol. Prometo que vou tentar. É um tema que parece batido, cansado, esgotado, que não se consegue mais falar nada novo. No entanto, surge algo a cada semana que só reforça a crença de que precisamos continuar nos mexendo, exigindo, cobrando e apontando o dedo para um problema cada vez mais sério e que toma proporções, às vezes, assustadoras.

Até porque as instituições sérias estão se mexendo. E é sobre isso que esse texto vai falar.

No final do ano passado, tivemos no NBB o caso de um armador do Minas acusado – e condenado na instância esportiva – de ter chamado o atleta Buiu, do Caxias do Sul, de “negro de m…”.  A Liga Nacional de Basquete (LNB) suspendeu o jogador por 10 jogos, além de multá-lo. O clube desfez o vínculo e mostrou aos patrocinadores e à comunidade do basquete que não tolerará tal conduta.

No vôlei, três jogadoras do Tijuca Tênis Clube ouviram insultos racistas de torcedores do Curitiba Vôlei. Dani Suco, Camilly e Thaís Oliveira escutaram pessoas imitando macacos dentro do ginásio em janeiro, em partida válida pela Superliga B. Dez dias depois, a Confederação Brasileira de Vôlei (CBV) criou um dispositivo no regulamento em que passa a considerar qualquer ação discriminatória de cunho racial como ato gravíssimo, o que acarreta ao infrator multa, retirada de três pontos, suspensão, perda de mando e até a eliminação do campeonato, a depender da gravidade. Antes tarde do que mais tarde, pois o Curitiba não foi punido, mas o passo necessário foi dado.

No entanto, nem todas as organizadoras de campeonatos ou entes públicos se mexem como deveriam. O caso de violência da torcida organizada do Sport contra o ônibus do Fortaleza até agora exige mais respostas. O clube teve uma grave perda esportiva nas partidas seguintes e até hoje sente os efeitos daquela noite de terror. A resposta precisou vir do próprio clube, de sua torcida e até do Ceará, que emitiu nota de apoio ao arquirrival.

A xenofobia contra Abel Ferreira também ficou sob panos quentes da Federação Paulista de Futebol (FPF) e do Tribunal de Justiça Desportiva (TJD) de São Paulo. Por isso, o próprio Palmeiras resolveu enviar um recado ao público do futebol e levar a mensagem de basta à violência, ao preconceito e às ofensas.

A campanha #SomosSociedade pintou a camisa alviverde de branco por mais paz no esporte e lembrou que o Brasil foi e é construído por pessoas originárias de várias partes do mundo. Um clube com raízes italianas protegeu seu técnico português e várias outras nacionalidades que aqui convivem – ou deveriam conviver – harmoniosamente. Em um mundo que vê uma crise migratória nos países africanos, duas guerras e tantas outras pessoas precisando sair de seus lares para buscar uma vida melhor, é um alento ver uma mensagem de acolhimento para tentarmos ter mais civilidade dentro do futebol.

Os clubes e entidades precisam continuar enviando as mensagens certas para seus torcedores, patrocinadores e clientes. Precisam mostrar que o esporte ainda cultiva os valores intrínsecos a quem o pratica, de integridade, competitividade e respeito. Não fazer uma “campanha pela campanha”, mas de fato entender, sentir e querer mudar uma realidade que não condiz com o que se espera de competições profissionais.

Afinal, o esporte é parte da educação e ascensão social de um povo e reflete valores da sociedade. Que seja, então, parte de uma mudança importante no comportamento brasileiro.

Reginaldo Diniz é cofundador e CEO do Grupo End to End e escreve mensalmente na Máquina do Esporte

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