Em meados de janeiro, foi divulgada pela imprensa especializada a informação de que o Corinthians havia sido excluído do Movimento dos Clubes Formadores do Futebol Brasileiro (MCFFB). Naturalmente, essa informação suscita dúvidas para se entender o que exatamente aconteceu e quais os possíveis impactos em relação ao clube paulista. Diante disso, esta coluna buscará explicar as seguintes questões: o que é o MCFFB e para que serve?
Já é sabido que a formação de atletas de futebol começa cada vez mais cedo, havendo diversos casos de jovens crianças que se destacam antes mesmo de terem idade para assinar contrato de formação. No entanto, como tratado em colunas anteriores, a legislação brasileira e os regulamentos do futebol trazem poucas proteções aos clubes com relação a esses atletas.
Vale lembrar, nesse sentido, que, com a celebração de um contrato de formação, surgem para os clubes três proteções: o direito de assinar o primeiro contrato de trabalho do jogador, sob pena de indenização; o direito de preferência sobre o segundo contrato de trabalho do jogador, sob pena de indenização; e a maior estabilidade com relação ao referido contrato. Destaque-se, ainda, que apenas clubes que detenham certificado de clube formador possuirão esses direitos.
Mesmo assim, também não se pode esquecer que os contratos de formação só podem ser assinados com atletas que tenham no mínimo 14 anos. Além disso, é necessário que o contrato de formação esteja registrado há pelo menos um ano, para que o clube possua uma certa proteção.
Afinal, caso não haja contrato de formação ou caso ele esteja registrado há menos de um ano, o atleta pode sair do clube a qualquer momento. Mesmo que a agremiação se recuse a liberá-lo, essa liberação pode ser feita automaticamente pela própria federação. Esse cenário traz, então, uma insegurança aos clubes, ainda que detentores do certificado de clube formador, que poderiam perder suas jovens promessas a qualquer momento.
Para tentar diminuir essa instabilidade, entre 2011 e 2012, um grupo de clubes formadores criou o MCFFB. Desde então, o movimento tem como objetivo facilitar a comunicação entre gestores de futebol de base, contribuindo para a formação de jovens jogadores e aumentando a segurança dos clubes nesse processo.
Diante disso, apenas podem participar do MCFFB os clubes que tenham mais de um ano de fundação e possuam o certificado de clube formador. Registre-se, nesse sentido, que, atualmente, há mais de 40 agremiações no grupo.
O MCFFB tem, como uma de suas missões, justamente facilitar o contato entre clubes-membros na resolução de casos que envolvam atletas nessa situação. Há, ainda, um certo acordo de cavalheiros entre as agremiações que fazem parte desse grupo, no sentido de não aliciar atletas uns dos outros. No jargão popular, há um pacto de não “roubar” jogadores.
Para que os clubes do MCFFB tenham direito a essa “proteção informal”, eles devem cumprir alguns requisitos. É o caso, por exemplo, de comprovar que possuem vínculo com o atleta há pelo menos 90 dias, e que não estão devendo eventual bolsa aprendizagem ao jogador por mais de três meses.
Caso algum clube do MCFFB descumpra esse acordo de cavalheiros, ele pode ser denunciado por outro membro, hipótese em que se inicia um procedimento interno, conduzido pela diretoria do grupo. Ao final do procedimento, caso não se alcance nenhum acordo, o clube infrator poderá ser punido, inclusive mediante expulsão do grupo.
Naturalmente, como se trata de um acordo de cavalheiros, esse procedimento não é público. Assim, não se sabe ao certo o que aconteceu com o Corinthians. O que foi divulgado, porém, é que o clube teria descumprido as regras do MCFFB ao ir atrás de um atleta do Palmeiras, que, então, fez a denúncia.
E quais são as consequências de não fazer parte do MCFFB? Para fins desta coluna, convém destacar duas.
A primeira delas é justamente não contar com essa rede de proteção quanto aos seus próprios atletas. Assim, a princípio, como o Corinthians está excluído do grupo, nada impediria que os clubes do MCFFB buscassem aliciar (“roubar”) os jogadores do time paulista que ainda não tenham contrato de formação registrado por um ano.
Além disso, poderá haver dificuldades para o Corinthians disputar competições de base que não sejam organizadas ou chanceladas pela Confederação Brasileira de Futebol (CBF) e/ou pela Federação Paulista de Futebol (FPF). As confusões nesse sentido, inclusive, já começaram. É o caso, por exemplo, da Copinha de Votorantim, torneio da categoria Sub-15. Os clubes do MCFFB se recusaram a disputar a referida competição caso o Corinthians permaneça, informando, até mesmo, que criariam um campeonato alternativo.
Certamente o caso não vai parar por aí e cabe aos amantes do futebol de base acompanhar os próximos capítulos. Irá o Corinthians se reconciliar com o MCFFB ou continuará seu voo solo? Seja como for, para acompanhar a discussão, é fundamental entender o que é o grupo e por que ele foi criado.
Alice Laurindo é mestra em Processo Civil e bacharel pela Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo (USP), em que é conselheira do Grupo de Estudos de Direito Desportivo. Além disso, atua em Direito Desportivo e Direito do Entretenimento no escritório Tannuri Ribeiro Advogados, e é membra da IB|A Académie du Sport e do Laboratório de Pesquisa da Academia Nacional de Direito Desportivo (ANDD LAB)