A NFL e a encruzilhada da violência

O quarterback do Miami Dolphins, Tua Tagovailoa, sofre um encontrão e cai no gramado com força. O corpo faz um movimento de chicote, e a cabeça se choca contra o solo. Imediatamente, o jogador se levanta e se prepara para iniciar o lance seguinte tentando demonstrar vitalidade. A ideia é mostrar para o adversário que a pancada, apesar de muito forte, não foi suficiente para intimidá-lo. A corrida dura apenas alguns passos, e as pernas do quarterback amolecem. Ele é amparado pelos companheiros e retirado de campo.

A cena chocante no jogo da NFL fica ainda pior quando sabemos que o mesmo jogador voltou a campo quatro dias depois e levou um novo golpe no corpo com repercussão na cabeça. Ele não só deixou o jogo, como teve que ser levado ao hospital.

A liga de futebol americano tem lidado há alguns anos com a realidade de que a força dos choques entre atletas e a cultura de que reclamar de dor ou pedir pra sair é sinal de fraqueza têm resultados devastadores. Uma doença séria, a Encefalopatia Traumática Crônica, já foi constatada em mais de 320 ex-jogadores da liga. Os danos cerebrais podem levar à depressão severa, episódios de violência e, em muitos casos, suicídio. O grande problema é que ela ainda não pode ser detectada em vida.

Desde 2007, quando a doença degenerativa ganhou as páginas do jornal The New York Times, a NFL tem investido na criação de protocolos médicos para determinar se um jogador corre risco de consequências graves por causa das pancadas na cabeça e no desenvolvimento de capacetes que sejam mais eficientes na absorção do impacto e protejam os cérebros dos atletas. Além disso, as regras também aumentaram as punições para aqueles que exageram na força.

Um dos maiores jogadores da história do futebol americano, Tom Brady chegou a reclamar da proteção das regras, que chamou de excessiva, e argumentou que não se deve punir jogadores de defesa por erros ofensivos, pois ele considera responsabilidade do quarterback se proteger e proteger companheiros que receberão passes.

O próprio Brady deu apelido a uma regra que impede defensores de atingirem quarterbacks do joelho para baixo, embora a lei tenha sido feita com base em uma lesão anterior à que ele sofreu em 2008. Recentemente, Brady ouviu a esposa descrever o football, durante uma entrevista, como um esporte muito violento ao comentar sobre o flerte do marido com a aposentadoria.

No caso de Tua, a Associação de Jogadores da NFL demitiu o responsável pela avaliação da primeira pancada. Outra providência foi atualizar o protocolo de concussões, que agora determina que um atleta com instabilidade motora severa, como o caso do quarterback do Miami, seja afastado até que o risco de concussão seja descartado. Mas, tanto para atletas quanto para patrocinadores, o apelo da liga mais popular dos EUA ainda parece maior do que o risco de lesões sérias ou de arranhões na imagem.

O futebol americano se consolidou depois de aproximadamente um século de conflitos pela independência, uma guerra civil e a expansão do território para o Oeste. Foi, para os jovens do final do século XIX e início do século XX, uma maneira de demonstrar virilidade fora dos campos de batalha, como relata Sally Fields no ótimo livro The Real All-Americans, sem tradução para o português.

Em 1905, o presidente americano Teddy Roosevelt convocou à Casa Branca as principais universidades onde o esporte era jogado para pedir o fim da violência que estava deixando jovens atletas mortos ou com sequelas graves por causa da violência. A mudança não tirou o caráter viril do football e, para muitos, salvou o esporte que se tornaria o mais popular do país nas décadas seguintes.

Acredito que o fascínio provocado pelo esporte esteja na busca pelo limite. Pode ser correr ou nadar mais rápido, saltar mais alto, levantar mais peso. No futebol americano, há uma combinação desses limites. E, talvez, o principal deles seja quem bate mais forte e quem aguenta mais pancadas. A mesma violência que faz do esporte algo tão popular é a que preocupa muito no presente e no futuro. Está na hora de usar o exemplo de Teddy Roosevelt e colocar os envolvidos para conversar e decidir como salvar o futebol americano novamente.

Sergio Patrick é especializado em comunicação corporativa e escreve mensalmente na Máquina do Esporte

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