A política do futebol

A indústria do futebol global é dominada por machos alfa. À base de muita politicagem, eles tentam ganhar mais espaço, influência e controle do esporte se autopromovendo ou derrubando seus adversários. Para quem gosta de estratégias de guerra, o futebol é um prato cheio.

Mas esta é uma guerra que acontece com muita classe. Não há espaço para caneladas fora dos campos. Os ataques e defesas acontecem nas salas de reuniões de Zurique (sede da Fifa), Nyon (sede da Uefa), Madri (sede da LaLiga e do Real Madrid), Londres (onde estão muitos clubes influentes, além da Premier League), ou por meio da imprensa internacional.

Os golpes vêm invariavelmente no formato de notas para a imprensa. Cada publicação é um golpe deferido. Assim como as guerras bélicas, as do futebol também são compostas por muitas batalhas.

Uma das brigas mais ferozes da última década foi a tentativa frustrada de criar a Super Liga. No ataque, estavam os clubes liderados por Juventus e Real Madrid, além dos maiores ingleses e outros espanhóis e italianos. Na defesa, todos os outros, as federações e, principalmente, a Uefa.

A resposta imediata veio na forma de suspensões, ameaças de punições e processos judiciais. Mas o verdadeiro contra-ataque foi a promessa de uma Champions League com mais clubes, mais partidas e maiores garantias financeiras para todos. O controle europeu foi retomado com euros, e não com regras e a autoridade central da Uefa.

Se os clubes signatários da Super Liga foram derrotados na superfície, a realidade é que o movimento garantiu maiores receitas para todos.

Outro golpe recente aconteceu quando o Real Madrid acusou o Paris Saint-Germain (PSG) de desobedecer às regras do Financial Fair Play, que regulam quanto cada clube europeu pode gastar em proporção às suas receitas, estabelecidas pela Uefa. Segundo o presidente do clube espanhol, Florentino Pérez, o clube francês superfatura seus patrocínios para poder gastar mais nas contratações de jogadores. Ele afirma que a maioria das empresas pagam mais do que os patrocínios valem porque elas, assim como os donos do clube, são do Catar e têm ligação direta ou indireta com o governo.

Essa é uma acusação totalmente inconsequente. Não porque ela não seja verdade, pois isso não sabemos, mas porque é praticamente impossível o PSG ser punido, pois o seu presidente, Nasser Al-Khelaifi, é também parte do Conselho da Uefa (que deveria julgar e investigar o caso) e presidente da Associação dos Clubes Europeus (que inclui, entre outros, o Real Madrid).

A verdade é que a acusação serve somente para causar dano à reputação de Nasser Al-Khelaifi e diminuir sua influência no futebol europeu.

Muito parecida com o embate entre espanhóis e franceses, há uma disputa acontecendo no Reino Unido. De um lado, os clubes cujos donos são bilionários e fundos de investimento. De outro, os clubes ligados a governos do Oriente Médio – Manchester City e Newcastle – ligados a Abu Dhabi e à Arábia Saudita, respectivamente.

Disfarçadas de causas nobres como a proteção de direitos humanos (erradicação de práticas de trabalho que põem em risco a vida dos trabalhadores, direitos das mulheres, etc.), os clubes criam uma narrativa na imprensa que tenta desqualificar o sucesso (principalmente) do Manchester City.

A verdadeira motivação dos administradores destes clubes não é necessariamente o que acontece com as populações que sofrem a milhares de milhas de seus estádios, mas sim o incômodo causado em ver um estranho ganhar com tanta frequência. Os ataques não têm o objetivo de mudar as políticas de governos de outros países, mas sim justificar as suas derrotas, desqualificando o trabalho feito pelo City Football Group (CFG) na última década.

Se você trabalha na indústria do esporte, vale a pena acompanhar com atenção as discussões envolvendo clubes, dirigentes das ligas e outros atores do futebol. Nem sempre as motivações, os ataques e as defesas são evidentes para os torcedores, mas eles tendem a ficar mais claros com o tempo. Entender as motivações é o primeiro passo para debates e críticas mais informados.

Ricardo Fort é CEO da consultoria SportByFort e escreve mensalmente na Máquina do Esporte

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