Ainda que permeada por críticas sobre o sistema político, a questão dos trabalhadores explorados na construção dos estádios e a legislação draconiana contra a população LGBT, a Copa do Mundo do Catar virou palco para um formidável movimento com maior participação das mulheres em papéis de relevância no mais popular esporte do planeta.
A francesa Stéphanie Frappart entrou para a história como a primeira mulher a apitar um jogo de futebol masculino em um Campeonato Mundial na vitória da Alemanha por 4 a 2 sobre a Costa Rica. A partida contou com a brasileira Neusa Inês Back e a mexicana Karén Díaz como bandeirinhas, formando um trio de arbitragem 100% feminino pela primeira vez nos 92 anos de história das Copas do Mundo.
Mais que o simbolismo de três mulheres controlando com segurança os ânimos de 22 marmanjos que jogavam a vida de suas equipes para sobreviver na Copa, o apito na boca da francesa ilustra um movimento que inexoravelmente permeia toda a indústria global do esporte.
Não por acaso, a TV Globo escalou, pela primeira vez em sua história, uma comentarista. A jornalista Ana Thaís Matos integrou a equipe de transmissão da estreia do Brasil na Copa dividindo a cabine com Galvão Bueno na vitória por 2 a 0 sobre a Sérvia. A narradora Renata Silveira também quebrou um tabu na Copa do Catar, tornando-se a primeira mulher a narrar um jogo do Mundial na TV aberta.
São pioneiras quebrando as barreiras de gênero de um universo esportivo ainda majoritariamente masculino.
A prevalência histórica de homens em papéis-chave é um componente que o futebol compartilha com o esporte a motor. E, como nos gramados, há iniciativas, dia após dia, para mostrar que chegou a vez delas também nas pistas.
Implementado pela Federação Internacional de Automobilismo (FIA) em 2018 e 2019, o programa Girls on Track busca aumentar a participação feminina no esporte a motor. Garotas de todo o mundo participam de um processo seletivo e competem por bolsas de apoio ao desenvolvimento de suas carreiras, seja no kart ou em categorias iniciais de fórmula.
Na última quinta-feira (30), mais ou menos na mesma hora em que a francesa Frappart trilava o apito para o início de Costa Rica x Alemanha, a FIA anunciava a brasileira Aurelia Nobels como vencedora do Girls on Track em 2022.
Filha de pais belgas e nascida nos Estados Unidos, Aurelia, de 15 anos de idade, corre com a bandeira brasileira em seu capacete e é a única mulher no grid da primeira edição da F4 Brasil. Graças ao seu desempenho no Girls on Track nas duas fases da seletiva, em Paul Ricard e Fiorano, ela agora é integrante da Ferrari Driver Academy e competirá na Europa em 2023 com o status de membro do programa de desenvolvimento de talentos da mais icônica equipe do automobilismo mundial.
A conquista de uma vaga tão cobiçada é total mérito da piloto (ela diz preferir não ser chamada de “pilota”, pois não quer ser diferente dos seus concorrentes na pista). Aurelia prevaleceu após um rigoroso processo seletivo conduzido por quem mais entende de automobilismo no mundo. E venceu.
Mas, obviamente, como em toda história de sucesso, ela não chegou lá sozinha.
Assim como a TV Globo merece crédito por investir e acreditar nos talentos de Ana Thaís Matos e Renata Silveira, Aurelia Nobels teve a oportunidade de ir atrás de seu sonho no Girls on Track respaldada por patrocinadores como a Shell. Ainda no kart, ela competiu com a icônica concha amarela quando tinha apenas 12 anos de idade. E, neste ano, a Shell voltou a apoiar sua jornada na F4 Brasil.
Agora, a marca pode celebrar sua representante no seletíssimo time de desenvolvimentos de talentos da Scuderia Ferrari.
Luis Ferrari é CEO da Ferrari Promo e escreve mensalmente na Máquina do Esporte sobre esporte a motor