A web3 e o setor de betting

A tokenização no esporte traz diversas possibilidades de negócios e para apostas - Foto de Karolina Grabowska

No primeiro artigo que escrevi sobre web3 aqui na Máquina do Esporte, em setembro passado, comentei sobre as infinitas possibilidades de tokenização no esporte. Desde então, já falei de venda de ingressos, sócio torcedor 3.0, produtos digitais, cocriação… Hoje, irei abordar um outro setor muito importante dentro da indústria: betting.

Apesar de já movimentar bilhões de reais no Brasil, o mercado de apostas também tem desafios que as tecnologias vinculadas à blockchain podem ajudar a solucionar, como questões de segurança, transparência, repasse de dinheiro, além de novos modelos de negócio, que podem ser fontes geradoras de receitas. Vamos explorar algumas destas aplicações.

Blockchain como infraestrutura

Se considerarmos que uma blockchain é uma rede pública e imutável, que registra todas as transações realizadas, o primeiro passo seria transformar cada aposta feita em um token, colocado no wallet do apostador. Este token não só funcionaria como uma comprovação de que a aposta foi feita, com o horário, o valor e o que foi apostado, como daria a quem a realizou a oportunidade até de vendê-la em um eventual mercado secundário, gerando receita adicional para a empresa operadora. Como odds variam de acordo com diversas variáveis, uma vez que a aposta é realizada e registrada, tal odd é travada para o apostador; logo, o token pode ser atrativo para outras pessoas que não conseguiram realizar o jogo com a odd anterior.

Quando todos os jogos realizados são registrados em uma blockchain, também há um enorme ganho de transparência, uma vez que todas as apostas feitas em uma determinada partida estariam disponíveis para serem conferidas, facilitando não só a percepção de ações suspeitas (devido a volumes desproporcionais), como a detecção de fraudes e até de possíveis problemas de liquidez da casa em questão. Aqui é importante ressaltar que tal transparência não se traduz em invasão de privacidade ou vazamento de dados pessoais dos apostadores; as transações registradas em uma blockchain são representadas por hashs, chaves alfanuméricas criptografadas. Portanto, apenas o conteúdo seria visível, não a identidade do apostador.

Um outro benefício de cada aposta ser representada por um token é o fato dela poder se tornar um colecionável no pós-evento. Estes colecionáveis não só representam o histórico de apostas de uma pessoa (imagine aquela aposta inesquecível que fica com um registro permanente, vinculado a uma imagem), como podem ser combinados para desbloquear benefícios mais a frente. Por exemplo, quem apostar em determinados eventos, durante um número de dias ou semanas consecutivas, destrava um bônus de 100% ou odds especiais.

Como os tokens são negociáveis no mercado secundário, aquelas pessoas que não cumpriram a missão, mas têm interesse no benefício poderiam adquirir os colecionáveis necessários para estarem aptas a participar da ação. E a casa, como intermediária, ganharia royalties sobre estas transações. Estas combinações podem ser feitas, inclusive, com outras empresas, de outros segmentos, por meio de parcerias. Uma marca, por exemplo, pode se interessar pelo público apostador (ex: homens entre 20 e 30 anos) e criar ações para atrair estas pessoas. Ao invés de se preocupar com time de desenvolvimento e leis de proteção de dados, esta marca precisaria apenas permitir que um usuário conecte seu wallet em seu site, identificar o token que este usuário precisa ter para desbloquear o benefício e pronto. Tudo mais rápido, barato e seguro. Aliás, como estamos em uma blockchain pública, tal marca nem necessitaria de aprovação da casa de apostas se não quisesse. Ela poderia criar a promoção por conta própria.

Há um case muito legal para compartilhar: o Groupe Partouche, que opera cassinos, oferece hospedagens e jantares gratuitos em seus empreendimentos para pessoas que possuem tokens de uma coleção da Porsche. A ideia é simples: donos de tokens da Porsche são pessoas com perfil que o Groupe Partouche gostaria de atrair; logo, basta ao usuário entrar no site, conectar sua carteira, que o token da montadora já é identificado e os benefícios liberados.

Novos modelos de negócio

O uso de blockchain permite ainda a operação de apostas descentralizadas, ou seja, apostas que não possuem uma casa como intermediária. Usando smart contracts (linhas de código que determinam o comportamento de um token dependendo da situação), duas ou mais pessoas poderiam combinar apostas entre si, acordar as condições das mesmas, travar o dinheiro nestes contratos e, ao final do evento, com o resultado definido, automaticamente os valores seriam repartidos entre os participantes, sem necessidade de uma entidade controlando.

Também é possível pensar em novos modelos de jogos. Por exemplo, o bolão, famoso no Brasil. Ao invés de deixar com o apostador a responsabilidade de palpitar sobre os resultados, poderia se pensar em um formato no qual os apostadores compram cards de mesmo valor, que representam combinações de resultados. Estes cards, porém, não têm as combinações visíveis à primeira vista; na hora que a compra é realizada, as combinações são reveladas de forma aleatória.

O apostador pode dar a sorte de pegar resultados prováveis de acontecer ou azar de ficar com os improváveis. Entretanto, como estamos falando de tokens e de mercado secundário aberto, uma vez que todas as combinações são vendidas, este mercado secundário passa a aquecer, com aqueles que querem comprar e vender suas combinações. Este tipo de produto já foi lançado com sucesso nos EUA, durante o March Madness, a famosa fase decisiva do basquete universitário americano, com o nome de BracketX.

Da mesma maneira que abri este artigo, vou fechá-lo: são infinitas possibilidades proporcionadas por blockchain/web3. Ao entender bem os fundamentos da tecnologia e, principalmente, que tipo de problemas sua organização precisa resolver ou melhorar, fica fácil pensar em aplicações que podem ajudar.

Felipe Ribbe é diretor global de comunidades DTC na AB-Inbev; antes, foi diretor geral da Socios.com no Brasil e chefe de inovação do Atlético-MG. Atualmente, também é orientador de startups de Web3 e escreve mensalmente na Máquina do Esporte.

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