Adeus, ano velho?

Ano de 2024 reserva muitas novidades e grandes desafios no âmbito do direito desportivo - Reprodução

Chegamos ao mês de dezembro, época de retrospectivas, fins de ciclos e projeções de novidades para o ano seguinte. Com o esporte brasileiro não é diferente: o mês marca premiações aos destaques olímpicos e paralímpicos, além do fim da temporada do futebol e especulações de contratações para a próxima temporada. Seria de se esperar, portanto, que esse período marcasse também a consolidação das novidades havidas ao longo do ano em termos de regulamentação do esporte e o início de discussões sobre novos temas. Mas, ao menos este ano, não será bem assim, como demonstram dois exemplos que tratarei abaixo.

Junho de 2023 marcou a publicação da Lei nº 14.597/2023 (designada como Lei Geral do Esporte). Até a véspera, imaginava-se que estaria encerrado um ciclo de muitos anos de estudos, elaboração e discussão sobre uma lei que consolidaria em si a regulação do esporte brasileiro. Esse processo se iniciara em 2015, com a formação de uma comissão de juristas encarregada de conceber a nova lei. Em 2017, o projeto de lei foi apresentado no Senado Federal. Após longos seis anos, o Congresso Nacional enfim aprovou, em 2023, o que haveria de ser a Lei Geral do Esporte.

O projeto de lei aprovado pelo Congresso certamente tinha pontos controversos (afinal, pode-se dizer que nenhuma lei é perfeita). No entanto, tampouco havia dúvidas de que representava um avanço significativo na legislação brasileira, simplificando a aplicação do direito no esporte.

Mas mais de uma centena de dispositivos vetados pelo Presidente da República alteraram essa perspectiva. Além da perda de diversas normas que continham inovações importantes na nossa lei esportiva, os vetos afastaram a revogação da Lei nº 9.615/98 (Lei Pelé). O resultado: chegamos ao fim de 2023 com duas leis que coexistem regendo a maior parte das relações jurídicas esportivas. Em determinados casos, com conceitos similares; em outros, com conceitos opostos; em algumas hipóteses, com abordagens aparentemente conflitantes, mas que em certa medida também podem ser interpretadas como complementares. Enfim, um cenário que em nada contribui para a segurança jurídica almejada pelo mercado esportivo.

Até o momento, o Congresso Nacional ainda não apreciou os vetos presidenciais. Portanto, ainda é possível que eles sejam rejeitados e se restabeleça a versão da Lei Geral do Esporte aprovada pelo Poder Legislativo (ou ao menos algo mais próximo disso). Em paralelo, especula-se a possibilidade de regulamentação da lei, por meio de decreto, como alternativa para suprimir lacunas e problemas identificados na legislação como atualmente se encontra. Enfim, de uma forma ou de outra, definitivamente o ciclo de consolidação de uma lei efetivamente geral do esporte não se encerra ao fim de 2023.

Mas, especificamente em relação ao futebol, nenhum tema deixou tanto para ser resolvido em 2024 quanto a regulamentação das atividades dos agentes. Embora publicado pela Fifa ainda no fim de 2022 e prevendo um período de transição superior a nove meses para entrar em vigor de forma integral, o Regulamento de Agentes Fifa (definido pela sigla FFAR, do inglês Fifa Football Agent Regulations) vem enfrentando grandes dificuldades para se tornar efetivo em diversos territórios.

Alemanha, Espanha e Inglaterra são três desses exemplos. Em cada um desses países (três dos principais centros do futebol mundial), decisões judiciais ou arbitrais impediram a implementação do FFAR por conta da incompatibilidade com as respectivas legislações nacionais. Cada uma dessas decisões foi um golpe na efetividade do FFAR, especialmente considerando a relevância das ligas envolvidas, mesmo após a Corte Arbitral do Esporte ter julgado a regulamentação válida.

A polêmica se deve a diversas inovações contidas no FFAR. Diferentemente do regulamento anterior sobre o tema, ele intervém direta e profundamente nas atividades dos Agentes Fifa (antes tratados como “intermediários”). Além de exigir que o profissional obtenha a devida licença (o que requer aprovação em uma prova e cumprimento de diversas outras condições), o FFAR estipula valores máximos de comissão, estabelece suas bases de cálculo, limita hipóteses de dupla representação e determina rigorosamente a forma de pagamento pelos serviços de representação, dentre outras várias intervenções que desagradaram agentes ao redor do mundo.

No Brasil, a Confederação Brasileira de Futebol (CBF) publicou, no início de outubro, o Regulamento Nacional de Agentes de Futebol (RNAF), que se baseia nos mesmos princípios do FFAR. A bem da verdade, trata-se de um normativo bastante similar ao modelo sugerido pela Fifa para regulamentos nacionais sobre o tema, infelizmente gerando inclusive alguns conflitos com regras estabelecidas na Lei Geral do Esporte. Nas últimas semanas, a insatisfação dos agentes com o RNAF transformou-se em litígio: pelo menos duas ações judiciais foram iniciadas questionando a legalidade do regulamento. Nesta segunda-feira (18), foi proferida uma delas suspendendo liminarmente a aplicação do RNAF.

Por isso, espera-se que 2024 seja um ano movimentado quanto à regulamentação dos agentes. Tanto em nível mundial quanto nacionalmente, não será surpresa se os regulamentos vierem a ser modificados, como iniciativa necessária para viabilizar sua efetividade. A Fifa poderá, por exemplo, rever alguns dos preceitos instaurados no FFAR, de modo a compatibilizá-lo com os princípios gerais de direito concorrencial e de liberdade econômica, usualmente resguardados por leis nacionais. E a CBF, por sua vez, poderá recorrer da decisão que suspendeu a aplicação do RNAF, ou mesmo conceber uma nova edição que melhor se adeque à legislação brasileira.

Enfim, esses dois temas de destaque do direito desportivo no “ano velho” que se encerra prometem seguir em pauta no novo ano que se inicia. Em meio a debates sobre a Lei Geral do Esporte, regulamentos de agentes e outros assuntos de grande relevância (tais como regulamentação das apostas esportivas, possíveis modificações da Lei da SAF e aspectos relacionados aos Jogos Olímpicos), uma coisa parece certa: 2024 reserva muitas novidades e grandes desafios no âmbito do direito desportivo.

Feliz ano novo!

Pedro Mendonça é advogado especializado na área esportiva desde 2010, com vasta experiência na assessoria a diversas entidades esportivas, como comitês, confederações e clubes, além de atletas, e escreve mensalmente na Máquina do Esporte

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