Caso na Indonésia serve de alerta para velhas práticas no Brasil

O último fim de semana foi de luto no futebol. No Estádio Karnjurhan, na Indonésia, uma invasão de campo terminou com um tumulto generalizado e resultou em 125 mortos e mais de 300 feridos. Entre os torcedores que faleceram, estavam 32 crianças. E a principal razão da tragédia foi uma medida da polícia local, que achou razoável usar gás lacrimogêneo contra a multidão nas arquibancadas.

O mau direcionamento da polícia nos estádios é um ponto em comum nas grandes tragédias da história do futebol. Nesta segunda-feira (3), o jornal americano “The New York Times” tratou do assunto diretamente, em artigo que foi republicado na “Folha de S.Paulo”.

“Quando ocorrem tragédias no futebol, tendem a não ser resultado da violência dos torcedores, mas de um estilo de policiamento excessivamente zeloso e às vezes agressivo, que trata uma grande multidão como uma ameaça”, declara a publicação americana.

O texto lembra o quanto é pouco recomendado o uso de gás lacrimogêneo em estádios, que gera correria entre os torcedores e resulta em uma receita para a tragédia. E recorda também que incidentes do tipo estão longe de ser exclusivos de países em desenvolvimento; a última final da Champions League, em Paris, teve problemas de acesso e uso do método para dispersar torcedores.

O que não é possível é passar pelo caso indonésio e não refletir sobre algumas práticas recorrentes no futebol brasileiro. Por alguma razão inexplicável, nas arquibancadas brasileiras, as maiores tragédias foram por problemas estruturais dos velhos estádios de outrora, como lamentavelmente ocorreu no Maracanã em 1992 e na Fonte Nova em 2007. Mas sempre com números distantes de tragédias que já aconteceram em países como Peru, Inglaterra e Argentina.

Mas isso não impede que o Brasil esteja imune. O que seria um enorme drama para todo o mercado do futebol, além, obviamente, das perdas de vida. Um segmento que caminhou tanto para dobrar a média de público durante este século não pode ser tão displicente com o modo de garantir a segurança do seu público.

E, hoje, a operação está bem abaixo do ideal.

Basta lembrar que, em 2021, o temido gás lacrimogêneo foi usado contra torcedores do Atlético Mineiro, em um jogo pelo Brasileirão. No mesmo Mineirão, a violência de policiais contra um torcedor do Fluminense foi gravada e gerou indignação neste ano.  

Quem frequenta estádio sabe: segurança dificilmente é o forte. Mesmo em estádios modernos, os acessos são fechados, a circulação é limitada, a revista é pouco eficiente. O futebol brasileiro evoluiu absurdamente nos últimos anos, mas ir ao estádio ainda parece um ato de guerra muitas vezes.

Não tem muito segredo: para controlar uma multidão, é preciso treinamento específico. Algo que não necessariamente uma Polícia Militar possui, pois não é a função central dela. O resultado pode ser uma grande tragédia ou simplesmente a falta de tato com um consumidor, algo inadmissível em tempos de futebol moderno e ingressos tão caros. Basta lembrar que, em 2021, uma criança de 9 anos teve um cartaz rasgado pelas mãos de um policial na Neo Química Arena. A criança só queria homenagear o goleiro Cássio.

O que não pode mais ser admitido é olhar o caso da Indonésia com a arrogância que muitas vezes cerca o esporte brasileiro, como se a realidade do país asiático fosse distante da realidade nacional. Não é. É necessário um pouco mais de seriedade no trato ao torcedor para que algumas tragédias não se repitam.

Duda Lopes é CEO da Pivô Comunicação e escreve mensalmente na Máquina do Esporte

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