Caso Wallace mostra que olimpismo defende valores que são inegociáveis

Wallace em quadra durante a final da Superliga Masculina - Agência i7 / Sada Cruzeiro

Foi na Olimpíada de Londres, em 2012, que recebi uma aula prática sobre valores olímpicos. Não, eu não era propriamente um jornalista novato em cobertura olímpica. Era a terceira vez que cobria os Jogos. Já tinha até feito curso sobre olimpismo, ministrado pelo Comitê Olímpico do Brasil (COB) alguns meses antes.

Entrevistava o técnico da seleção brasileira masculina de basquete, Ruben Magnano, campeão olímpico em Atenas 2004 dirigindo a Argentina. Sob seu comando, o Brasil tinha acabado de conseguir um feito: vencera a forte Espanha na fase de grupos.

No entanto, os espanhóis, nitidamente, haviam tirado o pé. Isso porque a derrota, de certa forma, os “favorecia”. Com a terceira posição no grupo (o Brasil ficara em segundo lugar), a equipe só cruzaria com o Dream Team dos Estados Unidos em uma eventual final.

Questionei Magnano por que não pensara em fazer o mesmo, já que os espanhóis eram mesmo favoritos. “Porque aqui [estávamos na quadra] a gente luta por vitórias. E por valores.”

As chaves da disputa olímpica premiaram o time espanhol. A equipe enfrentou a França nas quartas de final, uma tradicional freguesa. Em seguida, passou pela Rússia, rival que também a derrotara na fase de grupos. E, como era seu objetivo, fez a final (e perdeu) para os Estados Unidos. Foi premiada com a medalha de prata.

E o Brasil? Vice-líder da chave, a seleção brasileira foi derrotada na fase seguinte, as quartas de final, pela Argentina e acabou eliminada precocemente. Para Magnano, não valia a pena rasgar valores do esporte por uma medalha olímpica. Para mim, foi uma derrota mais importante que muitas vitórias. Ficou a lição.

Caso Wallace

Corto para o início deste ano, quando o jogador de vôlei Wallace promoveu uma enquete em sua conta no Instagram sobre quem teria coragem de fazer um atentado a bala contra o Presidente da República. Tristemente, entre os que votaram naquela pesquisa bizarra, 54% disseram que “sim”. Muitos talvez induzidos pela imagem do jogador, defensor do armamentismo, segurando uma pistola no story anterior.

O resultado daquela atitude condenável todos sabemos, e o vôlei brasileiro sofre no momento. No dia seguinte, o jogador apagou o post e gravou um vídeo pedindo desculpas. Não bastou.

A Advocacia-Geral da União (AGU) se manifestou diante de tal comportamento, que, sim, não pode ser encarado como algo normal, banal, do dia a dia. O Conselho de Ética do COB (Cecob) agiu rápido e suspendeu o atleta.

O Superior Tribunal de Justiça Desportiva (STJD) do vôlei, no entanto, resolveu liberar. A Confederação Brasileira de Vôlei (CBV) recorreu à Câmara Brasileira de Mediação e Arbitragem. Confesso que nunca havia ouvido falar na tal CBMA. Por curiosidade, fiz uma pesquisa na Folha de S.Paulo. Não há menção alguma a essa entidade antes do caso Wallace. O COB achou que a CBMA não tinha autoridade para decidir sobre o tema. E avisou.

De posse dessa decisão, mesmo sem o aval do COB, a CBV achou que tinha respaldo para liberar o atleta. Wallace jogou a final da Superliga Masculina. O Cecob endureceu a pena, que pode inclusive inviabilizar a participação do vôlei brasileiro em Paris 2024 (esperemos que não chegue a tanto).

Valores

Como campeão olímpico e jogador com longa carreira, Wallace possui algumas centenas de milhares de seguidores, boa parte deles crianças e adolescentes, bastante influenciáveis pelo que pensa, diz, posta e compartilha um ídolo.

Talvez as exigências que recaem sobre os ombros dos atletas sejam demasiado pesadas. Eles também falham. Perdem. E, sim, Antetokounmpo, em alguns momentos, fracassam. Em outros, vencem. Assim como todo ser humano. Mas, ao contrário das vidas comuns, gozam da glória, fama, patrocínios e veneração dos fãs.

Quando um jovem tem sua iniciação no esporte, além de aprender as técnicas do jogo, as táticas para melhor desempenho da equipe e o desenvolvimento de habilidades motoras, também aprende valores. Alguns são evidentes, como o trabalho em equipe, o respeito aos companheiros e rivais, e o fato de aprender a vencer (e a perder). Outros talvez sejam menos óbvios, como a responsabilidade. Dentro de quadra, como me ensinou Magnano. E fora dela, como tropeçou Wallace.

Adalberto Leister Filho é diretor de conteúdo da Máquina do Esporte

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