Como seria bom mais “Freds” no nosso futebol

Era final da década de 1980, e eu ainda uma criança começando a gostar de futebol. Foi quando meu pai me convidou para irmos assistir ao treino do nosso time do coração. Lembro que fiquei impressionado com a proximidade dos meus ídolos que, pela primeira vez, via de perto, sem a distância da arquibancada para o gramado dos jogos oficiais. Estava tão vidrado e com os olhos brilhando que quase não percebi quando meu pai apareceu com uma camisa oficial, de adulto, nas mãos. Para quem não sabe, nessa época não era fácil comprar uma camisa oficial dos clubes. Às vezes, comprar diretamente do massagista era a única maneira de adquirir o produto, e tamanhos infantis eram quase uma raridade.

Para mim, o que já seria uma manhã perfeita ficou ainda mais inesquecível quando meu velho me conduziu para perto do alambrado, para onde os jogadores sairiam em direção ao vestiário após o término do treino. Fiquei lá com o braço esticado com a minha nova camisa oficial na mão e uma caneta na outra. Um a um os jogadores foram se aproximando da grade e passaram longos minutos autografando na só a minha, mas também dezenas de outras camisas. Risadas e conversas com os torcedores transformaram aquele fim de treino quase em um encontro de família, bem descontraído.

Saí de lá com a certeza de que era a pessoa mais feliz do mundo. Tinha visto de perto os meus ídolos, trocado algumas palavras com alguns deles e também vestia a camisa oficial do meu clube do coração, tamanho adulto, toda autografada. Como qualquer criança radiante com seu novo brinquedo, recordo que não queria mais tirar aquela camisa nem para tomar banho. Na segunda-feira, minha mãe até tentou me convencer a tirá-la para vestir o uniforme da escola, mas depois de muito choro consegui sair de casa com o manto, muito maior que o meu tamanho, por baixo do uniforme, todo orgulhoso.

Essa experiência inesquecível junto aos meus ídolos com certeza teve um papel muito importante na minha formação como torcedor. Estou seguro de que muitos de vocês também possuem histórias semelhantes com seus pais e/ou filhos até o início dos anos 2000. Depois disso, o futebol se blindou, os principais clubes começaram a treinar em centros de treinamentos fechados, a imprensa não tem mais o mesmo livre acesso do passado, ao final das partidas os jogadores saem correndo para o vestiário, e são raros os momentos de interação entre ídolos e fãs. Dessa maneira, cada vez mais os clubes se afastam da sua torcida.

O futebol brasileiro, acostumado a ver seus jovens talentos saírem do país tão precocemente para se tornarem ídolos em gramados europeus, viveu essa semana um momento único e raro. O início da despedida dos gramados do atacante Fred, do Fluminense, é a prova do poder e da força de um ídolo. Os últimos dias têm sido de uma profunda conexão emocional entre o clube e sua torcida. Uma catarse que há muito tempo passava distante do tradicional clube carioca. 

E, além de toda a simbiose entre clube e torcida, o momento mágico também impulsionou as redes sociais do clube, que tiveram um aumento considerável de seguidores e interações, e também estão gerando muita receita para o Fluminense. O programa de sócio-torcedor do clube está chegando pela primeira vez no número 50 mil, a procura por ingressos para os jogos tem sido muito acima da média e a venda de produtos licenciados também cresceu.

Maldita é essa fórmula adotada pelos clubes brasileiros que faz da venda precoce de talentos a tábua de salvação dos clubes, nos obrigando a ver esses jogadores crescerem, brilharem e virarem ídolos nos gramados europeus. Cruel é esse comportamento do futebol moderno, em que os atletas são “blindados” e saem correndo para o vestiário depois dos jogos sem nenhuma interação com pessoas que os incentivaram durante 90 minutos de jogo.

Obrigado, Frederico Chaves Guedes, pela sua carreira brilhante, pelos títulos conquistados e também por mostrar ao torcedor do Fluminense e a todo o universo do futebol a força e a importância de um ídolo para o seu clube e a sua torcida.

Romulo Macedo é sócio-fundador da Fan Experience 360 e escreve mensalmente na Máquina do Esporte

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