Do mercado corporativo para a indústria do futebol; do amor de mãe para a gestão esportiva

Atualmente no Real Valladolid, da Espanha, Lucas Rosa foi o "culpado" pela guinada na vida da nova colunista da Máquina do Esporte, a mãe Ana Teresa Ratti - Divulgação / Real Valladolid

Ao dar o pontapé inicial na parceria com a Máquina do Esporte, participando do podcast Maquinistas, fui questionada por Erich Beting e Gheorge Rodriguez sobre a relação entre o mercado corporativo e o futebol. A pergunta, assim como a minha resposta simplificada naquele momento, ecoa na minha mente até agora e se tornou uma inquietação oportuna para o primeiro texto nesta coluna.

Depois de mais de 20 anos atuando no mercado corporativo, em empresas como Magazine Luiza, Ambev e Kroton, há mais ou menos dez anos me dedico ao esporte, com maior ênfase no futebol.

Muito resumidamente, a história é a seguinte: meu filho, Lucas Rosa, sempre disse que seria jogador de futebol, assim como muitas crianças brasileiras. Quando, por volta dos seus 12 anos, começou a dar indícios de que o sonho poderia se tornar realidade, saí em busca de entender que profissão seria essa que ele estaria escolhendo em uma idade tão jovem. Encontrei uma realidade bem mais dura do que aquela mostrada pelos holofotes apontados para os nossos ídolos. Uma porcentagem muito pequena avança para a profissionalização e, destes, no Brasil, segundo o relatório “O Impacto do Futebol Brasileiro”, desenvolvido pela EY, 55% ganham até R$ 1 mil, e outros 33% até R$ 5 mil. Apenas 1% terá remuneração realmente magnífica, acima de R$ 200 mil por mês.

Depois de entender o tamanho do desafio para avançar na profissão, logo me familiarizei com a ideia de ter um “funil” (muito estreito) por onde a grande maioria dos atletas não passa. Este é o desafio da progressão nas categorias de base, que leva para a jornada profissional e, para mim, o ponto de partida nesse mercado.

Atualmente, com a profissionalização presente em vários clubes e com as SAFs impulsionando a gestão do futebol para a necessidade de resultados financeiros sustentáveis, tornou-se mais fácil entender a familiaridade entre o ambiente corporativo de outros mercados e o futebol.

Há dez anos, ao entrar nesse universo, quando era abordado algum ponto que levasse a pensar em práticas mais estruturadas e pautadas por metodologias e conceitos já praticados e testados em outros mercados, o comum era ouvir respostas como “ah, mas no futebol isso não funciona”, “no futebol não é assim”.

Atualmente, é mais fácil responder ao questionamento feito pelos Maquinistas. Tudo que se vê em outras indústrias também é encontrado no futebol. A gestão estratégica e pautada em visão corporativa se aplica integralmente ao mundo da bola. Isso vale para clubes, federações e até mesmo para a gestão de atletas.

Para exemplificar e caminharmos nessa linha de pensamento: as organizações do futebol são conduzidas por pessoas que atuam em diversos escalões; processos são responsáveis por garantir a rotina das atividades em diferentes setores; os clientes do futebol são cada dia mais exigentes e fazem a sua jornada de consumo por caminhos cada dia mais diversos; é essencial a presença de fornecedores em diferentes áreas; finalmente podemos lembrar do “produto” final, que pode ser resumido ao jogo, mas, na verdade, deve considerar cada atleta como um ativo que o compõe. Isso sem contar as inúmeras variáveis que interferem diariamente e podem representar ameaças e/ou oportunidades e, portanto, devem ser consideradas no olhar gerencial para que sejam devidamente tratadas. Enfim, tudo que se vê no ambiente do futebol também se vê em organizações de outros mercados.

A partir disso, falar de gestão estratégica organizacional, definição de organograma, código de conduta, compliance, desenho de processos, visão sistêmica, comunicação estratégica, posicionamento de marca, relacionamento com o fã, rentabilidade e tantos outros temas que são essenciais no mundo corporativo se tornou habitual e, aos poucos, tem se tornado essencial para as organizações da indústria do futebol.

É, seguramente, um movimento sem volta e que reivindica, de todos os envolvidos, entendimento, qualificação e entregas compatíveis com o novo nível de exigência. As expectativas tendem a ser cada dia mais altas por conta dos volumes financeiros envolvidos nesse mercado e a mudança do emocional para o racional, passando do “vale tudo em nome da paixão nacional” para a priorização do retorno sobre os investimentos e outros itens que fazem parte da gestão organizacional sustentável e lucrativa de um negócio.

Ana Teresa Ratti possui mais de 20 anos de experiência corporativa, é mestra em administração e atualmente trabalha com gestão esportiva, sendo cofundadora da Vesta Gestão Esportiva. Ela escreverá mensalmente na Máquina do Esporte

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