E aquela que seria a última camisa do Brasil usada por Pelé…

Pelé se despediu da seleção brasileira em um amistoso contra a Iugoslávia, no Maracanã, em 1971 - Reprodução / O Globo

Lá se vão dois meses do adeus a Pelé. Depois do falecimento do Rei, no fim do ano passado, o mercado informal de colecionáveis fervilhou com uma enxurrada de peças autografadas/assinadas com preços e propostas dos mais variados. Itens de todos os tipos, vindos de todos os lugares, para todos os gostos, mas que, em sua maioria, tinham uma mesma característica: nenhuma garantia de autenticidade.

No início do ano, alguns leilões internacionais anunciaram peças assinadas por Pelé. Mais do mesmo, nada que chamasse muito a atenção. Em sua maioria, camisas alusivas ao Brasil, com autógrafos, montagens de fotos, em molduras e com certificações bem esquisitas. Ao mesmo tempo, vários e-mails chegaram para a Memorabília do Esporte com ofertas de produtos assinados e/ou usados por Pelé. Estranhei ao ver uma notícia recente sobre o fracasso* do leilão de uma camisa preparada para a despedida de Pelé da seleção brasileira. Lembrei de uma história curiosa para a coluna, um episódio que aconteceu em setembro de 2020, envolvendo também Pelé e uma camisa do Brasil.

E não era um item qualquer. Ao menos não parecia.

Recebi uma mensagem pelo WhatsApp de uma pessoa que dizia ter em casa a camisa usada pelo Rei no segundo tempo da sua última partida oficial pela seleção brasileira, disputada no Maracanã, contra a Iugoslávia, em 1971, que terminou empatada em 2 a 2. O objetivo era vender e estava buscando ajuda para achar um comprador. Teoricamente, era a última camisa amarela que Pelé usou defendendo o Brasil. Se fosse verdade, seria espetacular. Veio a curiosidade, claro.

Junto à mensagem, vieram várias imagens da peça que, a princípio, parecia bem interessante. Realmente parecia ser original nos mínimos detalhes (e já ostentava as estrelas do tricampeonato no peito). Ao menos nas imagens. Pedi mais fotos. Dava para ver bem costuras, particularidades, imperfeições da época, algumas manchas que indicavam a ação implacável do tempo na camisa que estava emoldurada, e acompanhada de uma carta, assinada por “Édson Arantes Pelé”, que era como o Rei assinava na época.

No entanto, era impossível atestar a autenticidade só por aquelas fotos, até pela falta de documentos e informações, mas tudo levava a crer que aquela era uma camisa, ao menos, “diferente”. Valia uma investigação, afinal poderia ser um pedaço (muito) importante da história do nosso futebol. Um pedaço importante e extremamente cobiçado.

Aos poucos, chegaram mais informações sobre a origem. Fui daquela troca de mensagens para uma pesquisa rápida na internet sobre o último jogo de Pelé pelo Brasil. De fato, o Rei usou duas camisas naquela partida. A primeira, deu de presente no intervalo a um dos gandulas do jogo, em um de seus habituais gestos repletos de simbolismos. Já a segunda, a camisa do segundo tempo, ninguém teve notícias do paradeiro. E era desta camisa que estávamos falando. Ao menos parecia ser.

Essa segunda (e última) camisa teria sido um presente à tia dessa pessoa no ato da assinatura de um contrato em uma festa de anúncio de um patrocínio do Rei com uma marca de bebidas. O evento teria acontecido em uma casa ao lado do Copacabana Palace. Nova pesquisa na internet e nada. Nenhum registro, nenhuma imagem, nenhuma foto, apenas uma história, que fazia muito sentido, como o rico enredo para um item que poderia ser histórico. Apenas uma carta assinada por Pelé (ainda como Édson Arantes Pelé), mas que não fazia referência à camisa, ao evento, ao momento, ao jogo. Nada.

A ausência de documentos fez com que aquela camisa, que poderia ser um artigo “arrematável” por uma fortuna, alvo das maiores casas de leilão do mundo, se transformasse em um “pedaço de pano” sem tanto valor em poucos minutos. Sem a confirmação ou atestados de sua origem, nem da época, nem do uso, nem mesmo do autógrafo, o que já faria com que tivesse um valor, a euforia virou frustração.

À época, o dono da camisa pedia algo em torno de R$ 200 mil (pouco menos de US$ 38 mil). Pelo autógrafo e por ser uma camisa original da época (não era tão simples comprar uma camisa da seleção brasileira e os detalhes comprovavam ser uma peça original, embora não fosse possível saber se foi usada), seu valor poderia chegar a uns R$ 50 mil sem esforço. Se houvesse documentos que comprovassem aquela história, a camisa garantiria uma bela aposentadoria ao seu proprietário. Poderia alcançar cifras de oito a até dez vezes o pedido inicial do dono da peça.

E assim, aquela que seria a última camisa do Brasil usada por Pelé… ainda está por aí.

*No meio de fevereiro, a casa britânica Hansons anunciou uma camisa “preparada para jogo” de Pelé para sua última partida pelo Brasil, com valor estimado em R$ 192 mil. A peça, que tem mangas longas (Pelé preferiu usar uma de mangas curtas), não foi usada pelo Rei e, mesmo tendo uma carta da família de Nocaute Jack (ex-massagista da seleção brasileira) como comprovação, não foi arrematada.

All-Star Game

Para fechar essa coluna, uma nota sobre camisas de duas “Lendas da NBA” que arrebataram, juntas, quase US$ 8,5 milhões (quase R$ 50 milhões, na cotação atual) em leilões promovidos pela Sotheby’s nas últimas semanas.

A regata usada por LeBron James quando defendia o Miami Heat nas Finais de 2013 superou os US$ 3,6 milhões (R$ 18 milhões), enquanto que a jersey de Kobe Bryant passou dos US$ 5,8 milhões (R$ 31 milhões). As duas são, agora, a terceira e a segunda camisas da NBA mais valiosas da história, respectivamente, atrás apenas de uma certa regata vermelha número 23, usada na temporada 1997/1998 no Chicago Bulls, ainda mais famosa após o documentário “The Last Dance”.

Samy Vaisman é jornalista, sócio-diretor da MPC Rio Comunicação (@mpcriocom), cofundador da Memorabília do Esporte (@memorabiliadoesporte) e escreve mensalmente na Máquina do Esporte

Sair da versão mobile