Em boca aberta (e bem-treinada) não entra mosca

Atletas são a prova viva de que conquistas são fruto de muito treino e concentração. Isso me traz à memória um projeto do qual tive a honra de participar: a criação e realização do Time Nissan, um grupo de atletas patrocinado pela montadora oficial dos Jogos Rio 2016. O programa tinha como objetivo capacitar atletas fora do campo de jogo com curso de finanças, psicologia, team building e… media training. Perdi as contas do número de vezes que treinei Ana Marcela Cunha (maratona aquática) e Ygor Coelho (badminton), para citar apenas dois dos atletas dos quais morro de orgulho até hoje ver dando entrevistas.

Não é preciso ficar de boca fechada para não engolir mosca. Mas é preciso, sim, saber o que falar.

Bruno Henrique, do Flamengo, me deixou de cabelo em pé depois daquela partida contra o Vasco, um empate de 4 a 4 em que o atacante disparou. “Tumultuaram o jogo, ficaram fazendo gracinha. Temos de ter a cabeça no lugar, porque estamos em outro patamar”, disse ao microfone da TV Globo, referindo-se ao rival em campo.

Confesso que pensava no pobre assessor de imprensa do clube nesse momento, já imaginando em como abafar as palavras disparadas e se perguntando porque não fez mais media trainings com seus atletas (embora, que eu saiba, jogador de futebol não curte muito essas atividades, a bem da verdade).

Enganei-me em relação à dimensão do estrago. A expressão ganhou vida própria, virou “oto patamá”, virou rap, ganhou eco na arquibancada e virou síntese daquele Flamengo bom de bola.

Não sei se foi sorte (fosse outro momento, teria virado contra o feiticeiro), mas acabou soando quase bonachão e caricato, a não ser obviamente para os adversários cruz-maltinos.

Isso tudo voltou à minha cabeça recentemente, quando a estrela mundial Kylian Mbappé, do multimilionário Paris Saint-Germain, ridicularizou a pergunta de um repórter em uma coletiva de imprensa, às vésperas da partida contra a Juventus, pela Uefa Champions League. Em um mundo cada vez mais consciente e empático, onde ídolos globais têm um papel poderoso de influência (também é por isso que marcas se associam a eles), Mbappé gargalhou ao ser indagado sobre o motivo de o PSG fretar um avião e não pegar um confortável trem de alta velocidade para cobrir os 380km entre Paris e Nantes em menos de duas horas.

O deboche, seguido de uma resposta irônica do técnico Christophe Galtier sugerindo tomar um barco a vela, por que não?, caiu como uma bomba entre autoridades e imprensa. As palavras mereceram comentários inclusive do Ministro da Economia da França, Bruno Le Maire, que postou ser “o momento mais inoportuno para rir. Todos devemos levar mudanças climáticas a sério”. Ainda mais por ter sido proferida em meio ao debate na França sobre o uso da aviação executiva (jatos privados), que polui 10 vezes mais do que a aviação comercial e 50 vezes mais do que os trens.

A lição que fica é o cuidado que ainda precisa ser tomado (e redobrado) por atletas de todos os níveis, mesmo os das melhores famílias, fora de suas atividades esportivas. Treinar a cabeça, treinar a fala, treinar se relacionar com os públicos e treinar em entregar mais e melhor para seus patrocinadores. Isso vai fazê-los valerem mais e perdurarem além de suas vidas ativas.

Manoela Penna é consultora de comunicação e marketing, e escreve mensalmente na Máquina do Esporte

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