Esportes individuais contra a epidemia de solidão

Esportes de endurance não têm idade para começar, são profundamente democráticos e há poucas barreiras de estrutura (especialmente no running) - Reprodução

Parece paradoxal, mas não é. Costumo chamar o running, a corrida de rua, como o esporte individual mais coletivo do mundo. 

O mesmo vale para todo o segmento endurance: ciclistas, nadadores, triatletas, corredores de trilhas, todos se reúnem para praticar o que, em teoria, são esportes solo. 

Mas, nessas comunidades, há um grande poder de construir fortes conexões. Rapidamente, viram tribos. Formam-se amizades.

E sabemos que o esporte tem esse potencial catalisador desde cedo. A gente se “agrupa” para os esportes coletivos, e viramos famílias e times, é claro. 

São essas supostas práticas solitárias do esporte que terão papel social importante nos próximos tempos.

Por quê? Porque vivemos uma grande recessão de amizades causada por diversos fenômenos demográficos e digitais.

Bora explorar dados. 

A curva etária e a solidão

O autor Vivek Morthy afirma em suas publicações que há uma diminuição de 70% no número de amigos per capita no mundo. Um fenômeno mundial de solidão.

É uma pandemia (inclusive impulsionada pela “outra pandemia” que empurrou muita gente para um isolamento social agudo). De fato, as pessoas estão com cada vez menos amigos reais. 

Nos últimos anos, os governos têm se preocupado com isso, tanto que Japão e Reino Unido já criaram ministérios da solidão, voltados para os problemas sociais crônicos causados pelo empobrecimento das conexões sociais.

É uma preocupação primária de países com envelhecimento acentuado da população. Não ter amigos ou vida social está associado a diversos tipos de doenças, desde cognitivas até cardiovasculares. É mortal. 

Aliás, segundo um estudo da “Proceedings of the National Academy of Sciences”, o isolamento social foi associado a um aumento de cerca de 29% no risco de mortalidade.

Outro estudo, publicado no “Journal of Gerontology”, indicou que aproximadamente 34% dos idosos se sentem sozinhos. E mais, segundo a Organização Mundial de Saúde (OMS), 30% dos idosos vivem sozinhos e 25% dos que vivem em instituições geriátricas dizem sentir solidão.

Somos bichos sociais, e tais fatores vão contra a natureza humana.

As redes sociais, os jovens e a solidão

Mas há também uma geração nova, inteira, enfrentando problemas semelhantes. Os nativos digitais e suas redes sociais deixaram as relações mais na superfície. Você tem 1 milhão de seguidores, mas nenhum amigo. É sintomático. 

Tão preocupante como os números crescentes de idosos solitários, uma nova onda está chegando, a dos jovens digitais, a Geração da Solidão. E precisamos de armas para pulverizar esse paradigma. 

Há dados alarmantes. Um relatório da “Common Sense Media” revelou que, embora 70% dos adolescentes se comuniquem com seus amigos via texto ou redes sociais diariamente, apenas 25% passam tempo com amigos pessoalmente fora da escola diariamente.

O efeito das redes sociais é alarmante. As dezenas de horas semanais gastas no celular bloqueiam as experiências na vida real e a formação de novas conexões verdadeiras. É óbvio que as interações cara a cara são muito mais eficazes para fazer amigos. 

Para se ter uma ideia, 15% dos jovens nos EUA não têm nenhum amigo de verdade.

Vem aí toda uma leva populacional que precisará de ajuda. Procura-se detox para bilhões de pessoas.

Mas temos uma das saídas.

Esporte endurance é arma, é ferramenta

A prática dos esportes solo pode ser uma tremenda arma contra essa epidemia de solidão. Justamente pelo seu caráter tribal, de comunidade.

São esportes que, em geral, começam mais tarde na vida das pessoas. Dados do Ticket Sports mostram que a faixa etária dos participantes de eventos esportivos é, em média, 41 anos. E esperamos que essa média aumente.

Além de buscar qualidade de vida, os novos praticantes de corrida, ciclismo, natação e triatlo, por exemplo, começam a se interessar mais pela própria vida e compartilhar momentos de experiências humanas no mundo real. 

Além disso, são esportes que não têm idade para começar, são profundamente democráticos, tanto faz a opção sexual e há poucas barreiras de estrutura (especialmente no running). 

É um antídoto óbvio para a epidemia de solidão. 

Em um mundo carente de tempo livre, de hobbies, de espaços de conexão (pois estamos sempre ocupados), praticar esporte é uma cura que ataca todos os problemas.

E por que defender as práticas solo? Elas geram amizades? Sim, é isso. 

Elas são mais fáceis de incluir na rotina e, eventualmente, acabam sendo veículos de conexão sociais. Os eventos de corrida, natação e ciclismo são experiências memoráveis. Transformam.  

Defendo que há um erro de interpretação do que é o sucesso para as gerações jovens, que gastam energia na obsessão por curtidas, os famosos likes, e na construção da persona digital. É vazio. 

O esporte, mesmo sozinho, é acessível e conecta. As tribos de endurance são uma arma contra a solidão.

Daniel Krutman é empreendedor, publicitário e futurista. Formado em Comunicação Social, pós-graduado em Ciências do Consumo e mestre em Marketing Digital, ocupa atualmente o cargo de CEO da plataforma de vendas de inscrições Ticket Sports, além de ser fundador da The Squad Academy, hub de conteúdo para o esporte

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