Heróis de carne e osso

Ídolos são seres humanos especiais. Pessoas que, por suas características ou feitos, são capazes de despertar a admiração de outras e, por vezes, inspirar e influenciar o comportamento de multidões.

No esporte, também é assim. Ídolos são capazes de mobilizar um país inteiro para torcer e acompanhar suas provas ou jogos. Também são responsáveis por momentos especiais em família ou amigos. Quem aí com mais de 40 anos não se lembra de como era, na infância, assistir aos Grandes Prêmios de Fórmula 1 só para torcer por Ayrton Senna aos domingos? 

Um dos aspectos que mais fascinam nas histórias daqueles e daquelas que chamamos de ídolos esportivos são os passos que deram para alcançar o sucesso e como fizeram para se manter lá. A eterna discussão de dom x disciplina se faz presente e carrega consigo as preferências e a identificação maior com um ou com outro. 

Sempre tive a tendência de admirar mais aqueles que parecem vencer por excesso de disciplina e entrega. Sou, por exemplo, mais Rafael Nadal do que Roger Federer. É claro que Federer é espetacular e que ninguém atinge o ápice sem muita dedicação, mas, acompanhando a carreira dos dois, me parece que o espanhol “sofreu” mais para chegar lá do que o suíço e o conseguiu por meio de uma disciplina inabalável.

No último domingo (18), acompanhamos um dos maiores da história colocar um ponto-final em uma das discussões mais presentes do futebol mundial sobre quem é melhor: Lionel Messi ou Cristiano Ronaldo. De um lado do ringue, contemplamos um deles que, agora, é campeão mundial de seleções; de outro, um ídolo que teve sua seleção desclassificada nas quartas de final contra Marrocos e que, incrivelmente, esteve na reserva em parte dos jogos, convivendo ainda com a polêmica saída de seu clube, o Manchester United, enquanto o maior evento esportivo do mundo acontecia no Catar.

É possível que você concorde comigo que, na comparação dom x disciplina, CR7 é aquele que descreve melhor o benefício e impacto da disciplina na vida de um atleta.

Sua obsessão pelo sucesso fez um garoto pobre da Ilha da Madeira se transformar em ídolo mundial, em um dos atletas mais bem pagos da história e na única personalidade do planeta com mais de 500 milhões de seguidores no Instagram. Aqui, vale um parênteses para dizer que Cristiano tinha uma agência cuidando de seu conteúdo e, certa vez, ficou insatisfeito por não entender por que sua conta não crescia. Ao ser informado pela turma da plataforma de que os conteúdos quentes e pessoais aumentam o engajamento quando são feitos pela própria pessoa, arrumou tempo na sua agenda para fazê-lo e o resultado apareceu.

Cristiano se aproxima da última parte de sua carreira como atleta, que talvez possa durar mais alguns anos. Haveria ele alguma vez imaginado que, depois de tudo que viveu, depois de tantas e tantas conquistas, pela primeira vez, em 20 anos, teria poucas opções de clubes para jogar? Al-Nassr? Chelsea? O que será que vem por aí para a “last dance” (“última dança”) do gajo que conquistou o mundo?

Já reparou que, nas séries de maior sucesso, nos pegamos, às vezes, torcendo para o vilão, justamente porque eles combinam um lado terrível com alguma virtude ou perfil família? Talvez você consiga ver qualidades nesse sujeito e até encontrar motivos para o seu comportamento agressivo, que muitas vezes é resultado de uma injustiça no passado, e isso os humaniza? Altos e baixos de personagens são ímãs de atenção porque geram identificação com a vida cotidiana. A verdade é que todos nós temos um lado B que não gostamos de mostrar. Somos, portanto, mais vulneráveis do que queremos admitir. E não é diferente com os nossos ídolos. 

Para um olhar menos atento, pode parecer que não, mas mesmo os maiores da história têm suas dúvidas, medos, inseguranças e monstros internos. E está tudo bem se forem assim. Afinal, no fundo, somos todos seres humanos.

Ivan Martinho é CEO da World Surf League (WSL) na América Latina e escreve mensalmente na Máquina do Esporte

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