Leila Pereira, Julio Casares e a mesquinharia do futebol brasileiro

Leila Pereira e Julio Casares no Mineirão, antes da final da Supercopa Rei entre Palmeiras e São Paulo - Marcelo Braga / Divulgação

Leila Pereira e Julio Casares vinham, nos últimos dois anos, apresentando-se como vozes dissonantes do status quo do futebol brasileiro. A presidente do Palmeiras e o mandatário do São Paulo geralmente eram bem ponderados quando debatiam temas como liga de clubes, maior entendimento entre instituições e assuntos do gênero. Chegaram, até mesmo, a ensaiar uma aproximação raríssima, com o São Paulo cedendo o Morumbi ao Palmeiras, e o Allianz Parque sendo usado pelo Tricolor em 2023.

Bastou, porém, a rivalidade dentro de campo entre os dois times se reaquecer para que os dois dirigentes revelassem a mesquinharia que domina o pensamento do futebol brasileiro. Jogaram para o alto qualquer noção de bom senso e se fincaram no orgulho próprio para justificar o injustificável.

A “polêmica” da vez é o clássico disputado no último domingo (3), mas que não terminou até agora. Um jogo que não mexe em ponteiro algum de tabela de classificação, não decide absolutamente nada no campeonato e que acabou marcado por uma arbitragem que desagradou (que novidade!).

Os ânimos exaltados de dirigentes são-paulinos, inconformados com as decisões da arbitragem, fizeram aflorar o que há de pior no ser humano: o desrespeito ao próximo, o egoísmo e a truculência. Tal qual, muitas vezes, é o comportamento de Abel Ferreira, técnico palmeirense, na beira do campo.

Seguiu-se a esse episódio ataques verbais contra a comissão técnica do Palmeiras e “terminou” com a proibição do clube visitante ter um espaço para dar entrevista aos jornalistas após a partida.

Não vou me ater aqui às questões técnicas das decisões tomadas pela arbitragem. Elas são interpretativas, fazem parte do jogo e são, em última instância, a palavra final dentro de campo. Isso é o que o futebol, mundialmente, deveria entender e aceitar.

A regra diz que é da arbitragem a obrigação de se dar a “última palavra” dentro de campo. Regra criada nos anos 1900, para tentar reduzir as polêmicas entre os jogadores sobre lances do jogo. É como um julgamento em um tribunal em que a decisão do juiz parece injusta para uns e justa para outros. Não dá para cravar que existe erro. Mas é dele a palavra final.

Ou seja. Colocar os holofotes na arbitragem, esteja ela correta ou não, é desrespeitar o jogo. Por mais inconformado que atleta, treinador e dirigente possam estar, eles precisam aceitar que reclamar após a partida terminar só cria um clima de revolta entre todos que descamba para aflorar o que há de pior também em todos.

Não por acaso, nas ligas esportivas mais profissionais do mundo, existem regras rígidas que multam com veemência os comportamentos inadequados de atletas, treinadores e dirigentes. Entre eles, declarações contra decisões tomadas pela arbitragem dos jogos.

Costumamos dizer que há uma “lei da mordaça” sobre quem são os verdadeiros protagonistas do espetáculo. Mas não entendemos que essas regras foram feitas para preservar quem é o verdadeiro protagonista do negócio do esporte: o fã.

As cartolas furadas que reinam nas cabeças mandantes do futebol brasileiro não conseguem entender que é delas a obrigação de preservar o esporte, acima de qualquer instituição. No afã de agradar o time, a torcida e o próprio ego, os dirigentes esquecem que existe alguém para quem o espetáculo é feito. E que isso é inegociável.

Leila Pereira e Julio Casares, na frieza do ar-condicionado da Federação Paulista de Futebol (FPF), trocaram sorrisos, afagos e juras de amor. Cederam, inclusive, suas casas para o amiguinho fazer uma festa. Chegaram a cogitar, até, fazerem uma festa conjunta, convidando cada um os seus amigos para celebrarem, juntos, o espetáculo que seus times têm proporcionado nos últimos anos.

Bastou o resultado indesejado do jogo, a revolta da torcida e a pressão dos conselheiros sem vínculo com a gestão do clube começarem a esquentar o clima para o amor acabar. Leila Pereira e Julio Casares mostraram que não passam de mais do mesmo.

Usarão todas as meias-verdades para dizerem que defendem, acima de qualquer coisa, o clube pelo qual são apaixonados. E que não toleram o desrespeito a isso.
Eles têm razão. Realmente tem muita coisa errada. Só que esse é o discurso que o ego quer ouvir.

Ao retrucarem com notas de repúdio e entrevistas para veículos de mídia estratégicos, eles conseguem afagar o coração. O jornalista aplaude a “coragem” do cartola, as redes sociais bombam com os likes.

Mas esse discurso dissemina o ódio. Propaga a divisão. Reforça o ego. Destrói o entendimento. Afasta qualquer chance de se construir algo maior do que Palmeiras e São Paulo.

O futebol brasileiro é mesquinho. Em quase todos os segmentos dele. Enquanto isso não acabar, esqueça o entendimento de uma liga de clubes, a torcida dividida nos estádios ou o respeito a quem trabalha com isso e, mais ainda, ao fã, que é quem paga a conta de todos.

Leila Pereira e Julio Casares pareciam que ajudariam a conduzir o futebol brasileiro para um novo lugar. Mas não passam de duas crianças mimadas e egocêntricas. Não entendem que são muito menores que Palmeiras e São Paulo. E que o futebol seguirá depois que eles passarem. A não ser que eles consigam destruir a única coisa que realmente sustenta o esporte, que é o torcedor.

Erich Beting é fundador e CEO da Máquina do Esporte, além de consultor, professor e palestrante sobre marketing esportivo

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