Mais algumas considerações sobre o novo Regulamento de Agentes da Fifa

O ano de 2023 começou agitado para os interessados em direito desportivo. Afinal, após diversas especulações, anseios e preocupações do mercado, a Fifa publicou, em 9 de janeiro de 2023, seu novo Regulamento de Agentes de Futebol.

Como não poderia deixar de ser, esse tema já foi explorado por Pedro Mendonça em uma coluna recente escrita para a Máquina do Esporte. No entanto, dada a complexidade do assunto, ainda é possível, e válido, abordá-lo novamente, mencionando outros pontos importantes.

Como bem apontado pelo autor, a nova regulamentação trouxe uma mudança significativa para o sistema esportivo, fazendo com que voltasse a haver uma norma para o mercado de agentes em nível transnacional pela Fifa.

Nesse contexto, convém fazer uma breve retrospectiva histórica. Em 1994, preocupada com a intensificação da atuação dos agentes ou intermediários, a Fifa emitiu o seu primeiro Regulamento de Agentes. À época, eventuais conflitos envolvendo agentes poderiam, então, ser resolvidos por órgãos internos da entidade.

Alguns anos depois, em meio a um processo de descentralização iniciado pela Fifa, a Confederação Brasileira de Futebol (CBF) criou, em 2002, o Comitê de Resolução de Litígios (CRL), que, inicialmente, trataria apenas de disputas nacionais relacionadas à atividade dos intermediários.

Na sequência desse movimento de descentralização, a Fifa recomendou, em 2007, que as associações nacionais criassem câmaras nacionais de resolução de disputas para tratar internamente de conflitos envolvendo intermediários. É nesse contexto que, posteriormente, surgiu a Câmara Nacional de Resolução de Disputas (CNRD) da CBF.

A atuação dos intermediários passou, então, a ser regulamentada de forma descentralizada. Ou seja, cada associação nacional de futebol (como a Confederação Brasileira de Futebol e a Associação de Futebol Argentino) passou a editar regras internas para essa atividade. As associações nacionais ainda criaram formas autônomas de registro dos profissionais e disponibilizaram órgãos próprios para tratar de conflitos.

Em outras palavras, para atuar no Brasil, o intermediário deveria se inscrever na CBF, cumprir com o Regulamento Nacional de Intermediários brasileiro e, no caso de um conflito, valer-se da CNRD. No entanto, para atuação internacional, deveria se inscrever novamente em outra associação ou se utilizar de parceiros locais. Deveria ainda cumprir com as regras de outras localidades e remeter eventuais conflitos a órgãos de outros países ou à Corte Arbitral do Esporte, com sede na Suíça.

Com o novo Regulamento de Agentes, a Fifa retomou, portanto, a centralização da atividade dos agentes. Assim, voltará a haver um registro internacional, regras aplicáveis à atuação de dimensão internacional e a possibilidade de resolver eventuais disputas em um órgão próprio da Fifa.

É curioso notar, porém, que, diferentemente do que ocorreu no passado, essa regulamentação centralizada coexistirá com a regulamentação a nível nacional. Isto é, muito embora não seja possível fugir de algumas das regras centrais do Regulamento de Agentes da Fifa, as associações nacionais continuarão editando normas próprias e fornecendo órgãos internos para resolver conflitos locais.

Ou seja, apesar de o registro ser internacional, um eventual agente brasileiro ainda deverá cumprir com as regras da CBF e se valer da CNRD quando a sua atuação for em território local. Resta saber, portanto, como isso se dará na prática.

Além disso, como apontado na coluna de Pedro Mendonça, o Regulamento de Agentes da Fifa trouxe alterações importantes no tratamento da atividade. Diante disso, pode-se esperar que o mercado continuará debatendo o assunto por meses, quiçá anos. De qualquer forma, já é possível mencionar alguns entendimentos preliminares acerca do assunto, sem prejuízo de maiores esclarecimentos futuros e sem que isso dispense a necessidade de aconselhamentos jurídicos em casos concretos.

Pois bem. Além do tão discutido teto da remuneração, uma questão interessante de frisar é que, de acordo com o Regulamento de Agentes da Fifa, voltará a ser exigida prova para registro dos intermediários. Diante disso, mostra-se evidente a importância de os profissionais estarem cientes das alterações do regulamento, que deverão ser objeto do exame. Inclusive, a Fifa já disponibilizou mais informações a respeito da aplicação de tais provas, que estão disponíveis em seu site oficial.

Aponte-se, porém, que serão dispensados da exigência de realizar a prova aqueles que tenham sido registrados a nível internacional anteriormente, de acordo com os Regulamentos de Agentes de Futebol da Fifa (edições de 1991, 1995, 2001 ou 2008), e, cumulativamente, a nível nacional desde 2015. Em tais casos, será necessário apresentar, até 30 de setembro de 2023, um pedido de licença por meio da Plataforma de Agentes da Fifa.

Também convém apontar que o novo Regulamento de Agentes da Fifa exige que o agente possua contrato de representação válido com o clube ou o jogador antes de representá-lo em uma eventual negociação. Assim, o direito do profissional à comissão estaria condicionado ao acordo prévio e escrito.

Tal disposição poderá trazer impactos práticos, eis que, atualmente, não é raro que haja a prestação de serviços de intermediação com base, tão somente, em acordos verbais. Além disso, salvo hipóteses excepcionais, não é mais permitido que a comissão devida ao agente seja paga por terceiros.

Outro ponto importante de ser destacado é que o Regulamento de Agentes da Fifa promoveu uma importante distinção entre os contratos de representação assinados com atletas/técnicos e com clubes, o que era alvo de dúvidas por parte do mercado. Por exemplo, no caso de representação de jogadores ou treinadores, o vínculo não poderá ultrapassar dois anos, ao passo que, no que se refere às agremiações, não há prazo limite.

Ressalte-se que, atualmente, de acordo com o Regulamento Nacional de Intermediários da CBF, os contratos de representação podem possuir um prazo máximo de três anos.

No entanto, para evitar maiores problemas, as regras acerca dos contratos de representação entrarão em vigor apenas em 1º de outubro de 2023. Depreende-se, portanto, que os contratos assinados até a referida data, de acordo com o Regulamento Nacional de Intermediários, permanecerão válidos.

Também não se permite que haja mais de um contrato de representação válido entre o intermediário e o mesmo atleta/técnico. Naturalmente, porém, é possível que haja mais de um contrato entre o agente e o mesmo clube.

O novo regulamento privilegia ainda o direito de os atletas ou técnicos buscarem novas ofertas de forma independente. Com efeito, consta no documento que eventuais cláusulas que limitem essa autonomia ou que imponham sanções aos indivíduos que se representarem de forma direta serão consideradas nulas. Novamente, essa regra poderá trazer impactos práticos significativos, cabendo a nós aguardar a sua correta interpretação.

Além disso, não se pode deixar de destacar que, buscando trazer maior transparência à atividade, a Fifa determinou que as comissões devidas aos agentes de futebol serão pagas por meio de um sistema interno, denominado Fifa Clearing House.

Fica evidente, portanto, que o novo Regulamento de Agentes da Fifa trouxe diversas e importantes alterações no sistema esportivo, de modo que devemos estar atentos aos seus impactos, que se tornarão mais visíveis nos próximos meses.

Alice Laurindo é graduada na Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo, em que cursa atualmente mestrado na área de processo civil, estudando as intersecções do tema com direito desportivo. Atua em direito desportivo no escritório Tannuri Ribeiro Advogados, é conselheira do Grupo de Estudos de Direito Desportivo da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo, membra da IB|A Académie du Sport e escreve mensalmente na Máquina do Esporte

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