De tudo que acompanhei na minha carreira profissional até hoje, sem dúvida o que mais me surpreendeu ver foi a rápida evolução do mercado de apostas no Brasil.
O brasileiro gosta de apostar. Das loterias oficiais ao jogo do bicho, temos um histórico bastante grande desse hábito no nosso país.
Para quem acompanhou o futebol nos anos 1980, a dobradinha entre Leo Batista e a simpática zebrinha davam a tônica de como apostar é parte da nossa cultura esportiva.
Na época em que morei no Rio de Janeiro, não era raro encontrar algum lugar pela cidade com o logotipo do Jockey Club Brasileiro (JCB), onde se podia apostar nas corridas de cavalos. Ao entrar no site do JCB, um dos destaques é justamente para o tema.
Quando morei na Inglaterra, lembro-me das famosas casas de apostas que existiam por lá. Apostava-se em tudo. E naturalmente em futebol e outros esportes também.
Enfim, apostar, para o bem e para o mal, sempre fez parte da cultura competitiva de países importantes no mundo esportivo, como Inglaterra, Itália ou Brasil.
O que o Paolo Rossi tem a ver com esse artigo?
Prometo ser rápido: um dos momentos mais importantes da minha vida foi aquele Brasil x Itália na Copa do Mundo de 1982.
Meu pai era italiano, minha mãe é brasileira. Naquele dia, torci para a Itália.
Lembro-me do meu pai falando duas coisas sobre o Paolo Rossi.
A primeira (que o irritava até seus últimos dias) era a “reinterpretação” do nome do jogador (em sua forma masculina ou feminina): em resumo, pronuncia-se tal e qual em português, ou seja, “Páolo” e não “Paôlo”.
A segunda, que tem a ver com o que escrevo aqui: descobri que o jogador foi punido por sua participação em um esquema de apostas e que quase não participou da campanha do título mundial.
Nos altos dos meus nove anos naquele inesquecível ano de 1982, fiquei me perguntando como alguém (o meu novo ídolo!) poderia ter feito algo assim.
Há alguma lição que o futebol pode trazer para os e-Sports, quando o assunto é aposta?
A despeito da regulamentação e amadurecimento do mercado de apostas no Brasil, fiquei refletindo sobre o fato de que os e-Sports se tornaram uma nova frente de oportunidades para empresas desse setor.
Isso, sem dúvida, pode ser um poderoso fator de impulsionamento de um mercado que não para de crescer e tem o Brasil como uma das grandes potências em qualquer dimensão que se possa imaginar.
Já se pode apostar (aqui ou em qualquer outro lugar do planeta) em partidas e torneios desse mundo.
Quando surgiram as recentes notícias sobre manipulação de resultados em diversos campeonatos de futebol no Brasil, aquilo que posso chamar de teia institucional do futebol apareceu para trazer o mínimo de entendimento e transparência ao fenômeno que havia se estabelecido por conta dos benefícios financeiros obtidos por esse tipo de manipulação.
Além da atenção que isso traz para a imprensa, Ministério Público, Federações Estaduais e Confederação Brasileira, de certo modo todos os envolvidos têm nome e sobrenome, são rastreáveis. A dimensão ainda que continental de um país como o nosso tem seus limites naturais: os números de torneios estaduais, regionais e nacionais são o que são. Sabemos quais são, quando acontecem, os clubes participantes, os jogadores e por aí vai.
Ainda que de uma expectativa quase fantasiosa, se fossemos seguir o clichê do “follow the money”, há algum caminho a ser seguido.
Aqui é importante lembrar que as próprias empresas do setor, como não poderia deixar de ser, desenvolveram a inteligência necessária para atuar contra golpes e desvios de finalidade de seus produtos e serviços.
Mas quem vai fiscalizar os e-Sports?
Se existe uma única Fifa e uma única CBF (ambas entidades que já podem ser consideradas centenárias), o mesmo não acontece com o mundo dos e-Sports.
Existem, sim, iniciativas de âmbito institucional nesse sentido aqui e mundo afora, mas tudo é muito novo.
Via de regra, o CS:GO, o League of Legends, o Free Fire ou o iRacing são “modalidades” que têm dono. Em poucas palavras, o dono do jogo é a empresa que desenvolveu não só a tecnologia mas a comunidade e a cena competitiva em torno dele.
Ainda que o mundo competitivo eletrônico tenha mais de 20 anos (para não dizer muito mais que isso) e que tenha atraído um número enorme de profissionais do mais alto nível, o tema é novidade para legisladores, jornalistas e personagens importantes dos meios público e privado.
Nesse mundo novo e cheio de oportunidades, os times também são bastante novos. Poucos contam com um histórico de uma dezena de anos.
Times são montados e desmontados, vendidos, reorganizados, adquiridos, fundidos com outros. E isso acontece de uma forma bastante rápida, digna do mundo das startups.
A Vila Belmiro ou o Ninho do Urubu desse mercado são as gaming houses: casas ou imóveis comerciais que contam cada vez mais com sofisticação para desenvolver seus negócios.
Uma parte importante da dinâmica desse mercado ainda acontece na casa dos profissionais da área, seja quem treina, compete ou investe no setor. Não é exagero dizer que basta um celular para você buscar seu protagonismo nessa indústria.
A lista de nomes que estão fazendo história no Brasil é cada vez maior. Mas a realidade é muito próxima ao futebol: as estrelas são uma parte muito diminuta do total de jogadores.
Nomes que, por mais que alguém seja apaixonado pelo assunto, nunca serão conhecidos a despeito do esforço em se tornar uma celebridade dos e-Sports. E talvez a rotatividade de atletas profissionais seja muito maior que de uma modalidade esportiva.
Além da infinidade de jogos que já existem com apelo competitivo, outros virão por aí. Faz parte da lógica do negócio de games. Ainda que novos esportes tenham surgido nesse meio-tempo (alguns inclusive chegaram ao mundo olímpico), a comparação é quase que injusta.
Por fim, a distribuição de conteúdo dos torneios de e-Sports é cada vez mais pulverizada. Além dos inúmeros torneios existentes, os interessados podem acompanhá-los em redes sociais, plataformas de streaming, serviços de OTT e TV, entre outras telas.
Em resumo: é algo novo, em uma escala de crescimento exponencial, mas que, por sua própria natureza, pode oferecer barreiras para que esquemas de manipulação de resultados possam ocorrer.
Investir nos e-Sports não é questão de sorte
Quem me conhece, sabe o meu entusiasmo sobre o mundo dos games e dos e-Sports.
Os que acompanham a minha trajetória sabem que eu vim do universo do marketing esportivo, pelo qual sempre fui apaixonado e serei eternamente grato.
A junção dessas duas grandes experiências de carreira e de vida foi o que fez com que eu fosse chamado para ser colunista da Máquina do Esporte.
Minha grande hipótese é que os universos dos esportes e dos games estão cada vez mais entrelaçados. Basta ver o que a Fórmula 1 e o próprio Comitê Olímpico Internacional têm feito a respeito.
Quanto mais intercâmbio houver entre esses mundos, mais rápido estaremos prontos para oferecer uma experiência transparente, satisfatória e saudável aos seus participantes.
A troca de aprendizados e a identificação de um futuro cada vez mais em conjunto são fundamentais para que os aproveitadores do sistema tenham suas atividades cada vez mais dificultadas.
Em nome do trabalho sério do mundo competitivo no Brasil, a oportunidade que se abre nesse momento é fundamental para a discussão do que queremos ser em um futuro próximo.
O que não faltam são experiências e aprendizados, em especial nos mercados mais maduros, nesse sentido.
Para o bem de todos, o assunto não pode ser deixado à mercê de sua própria sorte.
Alessandro Sassaroli é diretor comercial de gaming na Webedia Brasil e escreve mensalmente na Máquina do Esporte