Quando Achraf Hakimi, camisa 2 do time sensação da Copa do Catar, o Marrocos, abraçou sua mãe após a vitória por 2 a 0 sobre a Bélgica, o mundo se emocionou. Estava traduzido ali muito mais que o carinho entre mãe e filho. Descendente de imigrantes, Hakimi nasceu em Madri e sentiu na pele a dificuldade de vencer na vida estando à margem da sociedade.
Esse é um caso emblemático dessa Copa que se encerra no próximo domingo (18), depois de um mês nos ensinando geopolítica e fazendo refletir sobre o tempo em que vivemos.
Do protesto do time alemão com sua “boca fechada” na foto oficial a um sempre metafórico Irã x Estados Unidos, nem os principais nomes da seleção canarinho escaparam de ser abduzidos de sua condição de “meros” atletas para personificar a polarização de um país ainda à flor da pele pós-eleição.
É o que explica (parte do) Brasil se sentir “vingado” pelo golaço de Richarlison na estreia da seleção contra a Sérvia. Não se tratou apenas de felicidade “pacheca” por aquele voleio-pintura abrir a caminhada para o então sonhado hexa: ali estava desenhada em cores vivas a redenção de chuteiras de um Brasil pró-vacina e contra as desigualdades sociais. O mesmo Brasil que, pelo mesmo motivo, foi capaz de se virar contra seu camisa 10. Como se a lesão de Neymar tivesse sido um “bem feito” por conta de sua opção política. Foi-se o tempo em que tínhamos somente 200 milhões de técnicos.
Sim, é bem mais do que futebol e isso está longe de ser um clichê para postagens lacradoras nas redes sociais.
Quem assistiu ao jogo Suíça 3 x 2 Sérvia sabe bem disso. Talvez tenha sido o jogo mais tenso da Copa, menos pela rivalidade dentro das quatro linhas e mais por toda a dolorida história que envolve os antigos territórios iugoslavos. Com atletas albaneses no time (alguns de origem kosovar), os suíços trazem para campo sempre que encaram a Sérvia (e vice-versa) elementos dessa guerra sem fim. E, naturalmente, isso transborda para seus cidadãos diante da TV.
Em Lausanne, na Suíça, onde coincidentemente eu estava no dia da partida, bandeiras vermelhas com a águia de duas cabeças, símbolo da Albânia, tremulavam ao lado do estandarte local em uma festa que varou a madrugada com buzinaço, morteiros e trânsito parado. Festa digna de campeões do mundo.
A mesma festa que foi tomando silenciosamente conta de uma França que, antes da abertura da Copa, jurou boicotar os jogos no Catar. Bares se recusavam a transmitir as partidas, e franceses garantiam que não ligariam a TV em suas casas como forma de protestar contra a violação dos direitos humanos no país sede. Fan fest, então, nem pensar. E Paris foi a primeira a dizer não para a celebração nas ruas.
Até que Olivier Giroud foi fazendo seus gols, batendo recordes e levando os Bleus cada vez mais longe. Ninguém resistiu. A audiência da TF1 e da BeIN Sports explodiu, e os grupos de WhatsApp dos meus amigos franceses (não esqueçam de que moro em Paris) enlouqueceram. O jogo França x Marrocos (mais um duelo que, em si, extrapola o futebol) fez com que os torcedores franceses lembrassem, mesmo que por pouco mais de 90 minutos, que se trata apenas de um jogo de Copa do Mundo.
Apesar de muitas vezes ser mais, bem mais do que isso.
Manoela Penna é consultora de comunicação e marketing, e escreve mensalmente na Máquina do Esporte