Não se apaixone pela solução, e sim pelo problema

CBF fechou acordo com a empresa turca Bitci em meados de 2021 para ter o fan token da seleção brasileira - Divulgação

Na semana passada, uma matéria sobre os fan tokens da seleção brasileira viralizou. A empresa responsável supostamente deu um calote na Confederação Brasileira de Futebol (CBF), e o contrato foi rompido, mas, mais do que isso, o produto, que deveria entregar benefícios e experiências para quem os comprou, nunca cumpriu o prometido. Casos como este são bastante comuns no esporte, não só no Brasil. E o problema mais grave não tem a ver com a idoneidade do parceiro comercial, muito menos com o produto; na verdade, estamos falando de uma questão que assola a indústria esportiva em geral quando o assunto é a adoção de novas tecnologias: a imensa maioria dessas iniciativas surge de fora para dentro e não de dentro para fora.

O caminho normal de qualquer iniciativa que envolva o uso de novas soluções tecnológicas deveria ser:

  1. A organização entende que tem um problema;
  2. Formula este problema da melhor maneira possível, conversando com todos os stakeholders impactados pelo mesmo;
  3. Só aí vai ao mercado buscar a solução que ajudará a resolvê-lo.

Porém, o que vemos é justamente o oposto. São os agentes externos que chegam com as soluções em busca de supostos problemas que acreditam existir, e as organizações, seja porque se apaixonam pela solução, seja porque só enxergam a promessa de dinheiro, acabam embarcando sem se preocupar com o que vem depois que assinam o contrato.

No caso de soluções B2B, de uso interno, é comum um fornecedor oferecê-las, uma pessoa (geralmente um tomador de decisão) abraçar a ideia e impor a implementação. No entanto, não é esta pessoa que usará a solução no dia a dia, e aí começam as dificuldades. Talvez o(a) colaborador(a) designado(a) para a tarefa não ache a tecnologia necessária; talvez não saiba usá-la; ou ainda pode ser que ele(a) esteja tão ocupado(a) com outras coisas, por conta de um acúmulo de funções, que simplesmente não terá tempo de usufruir do que a ferramenta permite.

Isso é péssimo para todos os envolvidos. A organização gastará um dinheiro à toa; os profissionais não conseguirão melhorar seus trabalhos, pelo contrário, é capaz que fiquem ainda mais atarefados; e o fornecedor muito provavelmente perderá o contrato pouco tempo depois, pois sua solução será vista como insuficiente ou ruim, o que muitas vezes não é verdade. Até por isso, quando presto consultoria para empresas de tecnologia que querem trabalhar com organizações do esporte, recomendo que elas ofereçam não só a solução, mas uma pessoa para ser alocada dentro do cliente, pelo menos nos meses iniciais, para se certificar de que a ferramenta será usada em seu potencial máximo, senão a culpa sempre será dela.

Com produtos digitais B2C, cujos usuários são os torcedores/fãs, os problemas descritos acima se repetem, porém há ainda outro fator complicador: quando um fornecedor propõe lançar um novo produto digital, o mais comum é que seja assinado um contrato de licenciamento, ou seja, a organização cede sua marca para ser explorada por esse fornecedor em troca de um pagamento inicial e/ou de royalties sobre as receitas geradas. Isso é um desastre, pois, ao ser tratado como um produto licenciado, este fica na mesma prateleira de outros produtos licenciados físicos, como bolas, canecas, copos, vinhos e semelhantes.

Entretanto, estamos falando de um produto digital, algo que requer uma proatividade da organização para dar certo, uma vez que o esforço de comunicação desta organização para com o seu público será determinante para impulsionar o uso e, consequentemente, ter sucesso. Como a iniciativa veio de fora para dentro e o contrato é de licenciamento, naturalmente a organização não enxerga aquele produto como seu. Logo, não dá a devida atenção, e a tendência é que o mesmo não tenha vida longa.

No caso dos fan tokens, isso tudo fica muito claro. A grande maioria das organizações assinou contrato sem nem saber que tipo de produto era, qual era a melhor maneira de oferecê-lo, comunicá-lo, como torná-lo mais atrativo. Olhou-se apenas a chance de se fazer uma nova receita de forma rápida. Mas poucos entenderam que, diferentemente de uma caneca, que uma vez que está na prateleira não há muito o que fazer para vendê-la, fan tokens, como qualquer outro produto de engajamento, requerem uma dedicação constante, com construção de médio e longo prazos junto ao parceiro provedor do serviço, investindo em iniciativas de educação para a torcida e, principalmente, em benefícios e experiências de fato relevantes, capazes de estimular as pessoas a fazer parte daquilo.

Analisando de fora, a CBF, ao que parece, não sabia que tipo de produto ofereceria nem o porquê de estar fazendo isso. O foco foi tão somente na promessa de ganho financeiro, tanto que nem a procedência do parceiro deve ter sido analisada, assim como não deve ter sido feita uma pesquisa no mercado para entender se, naqueles termos, por exemplo, a conta fechava.

“Um problema bem formulado está metade resolvido”. Essa frase, atribuída a Charles Kettering, que foi chefe de pesquisa da General Motors (GM) nas décadas de 1920 a 1940, resume bem a ideia que quero passar neste artigo. É tentador se apaixonar pelas soluções que nos são oferecidas diariamente, pois estamos vivendo tempos fascinantes de avanços tecnológicos. Eu mesmo, várias vezes, pego-me invertendo a ordem e deixando o problema em segundo plano. Mas precisamos entender que este não é o caminho. As iniciativas devem sempre surgir de dentro para fora, para suprir demandas identificadas internamente. Do contrário, a chance de sucesso é ínfima.

Felipe Ribbe é ex-diretor geral da Socios.com no Brasil e ex-chefe de inovação do Atlético-MG. Atualmente, é consultor em inovação no esporte, orientador de startups de Web3 e escreve mensalmente na Máquina do Esporte

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