Não é raro que o começo do ano seja marcado pela atualização dos diversos regulamentos esportivos, sendo as primeiras colunas do ano dedicadas, justamente, a relatar as alterações. Nesse sentido, recentemente entrou em vigor o novo regulamento da Câmara Nacional de Resolução de Disputas (CNRD), da Confederação Brasileira de Futebol (CBF). No entanto, ao invés de esmiuçar o documento, este texto se voltará a um aspecto específico da regulamentação: a possibilidade de atletas ou membros de comissão técnica darem início a procedimentos gratuitos contra seus antigos clubes.
Como já exposto anteriormente, a CNRD é um órgão ligado à CBF que visa a contribuir com a aplicação do Regulamento Nacional de Intermediários (RNI) e com o Regulamento Nacional de Registro e Transferência de Atletas de Futebol (RNRTAF). Em outras palavras, o órgão atua como guardião de parte dos regulamentos esportivos, sendo fundamental para quem se interessa por Direito Desportivo.
Por esse motivo, a CNRD é tema constante destas colunas, seja de forma direta ou indireta. A título de exemplo, podemos mencionar esta coluna do final de 2022, em que foram debatidas as decisões divulgadas da CNRD.
Até então, porém, havia uma certeza quanto ao órgão: para dar início a qualquer procedimento perante a CNRD, era necessário comprovar o recolhimento de custas. Com efeito, de acordo com o Regimento de Custas da CNRD, para procedimentos ordinários, devem ser recolhidas custas no percentual de 2% do valor da causa, respeitando-se o piso de R$ 3 mil e o teto de R$ 50 mil.
É bem verdade que o Regimento de Custas autoriza que as custas sejam pagas de forma parcelada, mediante entrada de 30% do valor total e o parcelamento do restante em até cinco vezes. Mesmo assim, era possível que o valor do procedimento afastasse atletas ou membros de comissão que recebessem salários modestos. É digno de nota, ainda, que, muitas vezes, tais profissionais estavam há meses sem receber, sendo, inclusive, essa a causa para quererem dar início ao procedimento perante a CNRD.
A título de comparação, convém ressaltar que, no âmbito da Justiça do Trabalho, não é necessário recolher custas no início do procedimento. Assim, a quantia devida ao Estado em razão do procedimento só é definida ao final, em sede de sentença, cabendo à parte que perdeu o caso recolhê-la. Naturalmente, a medida protege o trabalhador, reduzindo as despesas com as quais ele deverá arcar em razão do inadimplemento de seu empregador.
Já no âmbito da Justiça Comum, não se pode esquecer a possibilidade da parte que não tiver condições de arcar com os custos do procedimento requerer os benefícios da justiça gratuita.
Até o novo regulamento, a CNRD não possuía nenhuma brecha nesse sentido. Não havia, assim, possibilidade de concessão dos benefícios da justiça gratuita ou de recolhimento de custas ao final do procedimento (o máximo que se permitia era, para processos trabalhistas, requerer que as custas fossem recolhidas após a manifestação do empregador nos autos). No entanto, em linha com as orientações da Fifa, a situação se alterou com o novo regulamento.
Afinal, a CNRD criou o procedimento sumário. Trata-se de um procedimento envolvendo atletas ou membros de comissão técnica e seus clubes empregadores, que pode ter por objeto questões trabalhistas, questões referentes ao vínculo desportivo e à estabilidade contratual ou questões relativas ao descumprimento do art. 64 do RNRTAF (artigo que impõe aos clubes o dever de cumprir com obrigações financeiras assumidas perante outros clubes, atletas ou membros de comissão técnica, sob pena de aplicação de sanções esportivas).
Em tais procedimentos, os atletas ou membros de comissão técnica não precisarão, em regra, recolher custas à CNRD. Caso o clube perca o processo, caberá à agremiação recolher, ao final, as referidas custas. Assim, os atletas ou membros de comissão técnica apenas deverão arcar com eventuais valores que sejam devidos em razão da produção de provas, como é o caso de honorários periciais em caso de perícia.
Ao que tudo indica, o regulamento parece buscar um procedimento mais rápido nos casos sumários, talvez limitando a instrução probatória. Justamente por isso, há a previsão de que, quando o painel julgador entender que o procedimento é incompatível com o rito sumário, poderá haver sua conversão para o ordinário.
Resta saber, portanto, como isso se dará na prática: como se dará a tramitação dos ritos sumários, quais casos serão considerados incompatíveis e convertidos em ordinários e quais serão as consequências dessa conversão.
Seja como for, os procedimentos sumários trazem um alento a atletas e membros de comissão técnica, facilitando o ingresso de ações contra seus empregadores.
Alice Laurindo é mestra em Processo Civil e bacharel pela Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo (USP), em que é conselheira do Grupo de Estudos de Direito Desportivo. Além disso, atua em Direito Desportivo e Direito do Entretenimento no escritório Tannuri Ribeiro Advogados, e é membra da IB|A Académie du Sport e do Laboratório de Pesquisa da Academia Nacional de Direito Desportivo (ANDD LAB)