Nunca será somente um esporte

Escrevo este texto após as oitavas de final da Copa do Mundo do Catar. Por enquanto, a grande surpresa foi a eliminação da Espanha, com direito a nenhum pênalti convertido contra Marrocos. Com exceção dos espanhóis e da Alemanha, eliminada ainda na primeira fase, todos os favoritos passaram de fase.

Nesta sexta-feira (9), será a vez do Brasil abrir as quartas de final enfrentando a Croácia. Acredito que nossa seleção avançará, mas você sabe: futebol é futebol. Muita coisa pode acontecer no gramado.

Assistir a uma partida in loco de uma Copa do Mundo é uma sensação indescritível. Tão legal quanto acompanhar os 90 minutos (e mais os infinitos acréscimos na edição de 2022) é confraternizar com torcedores de todos os cantos do planeta. Sempre tento acompanhar as matérias antes das partidas e é muito interessante como os fãs de locais literalmente em guerra (ou alto atrito) no mundo lá fora conseguem conviver de forma pacífica, conversando, dando risada, cantando e até fazendo fotos e vídeos. É como se todos voltassem a ser crianças para curtir somente o lado bom da vida, enquanto os líderes de suas nações só pensam em conflitos. Quem será o verdadeiro imaturo nessa história toda, hein?

Ainda no quesito “fora das quatro linhas”, dois jogos me chamaram a atenção e gostaria de começar por País de Gales x Inglaterra, um confronto sempre tenso. Com a recente morte da Rainha Elizabeth II, houve uma retomada no nacionalismo galês e muitos protestos contra a continuidade da família real no poder. A seleção de futebol tem um papel importante nesse movimento, com os jogadores cantando o hino na língua galesa e usando em seus casacos o nome “Cymru”, tradução de “Wales” em seu dialeto. O país tem autonomia, mas não independência, sendo subordinado ao parlamento britânico. 

A outra partida com emoções extras foi Irã x Estados Unidos, rivais dentro e fora de campo há décadas. Porém, a falta de entendimento entre as duas nações perdeu importância devido aos protestos dos próprios jogadores iranianos contra a série de repressões em seu país. Primeiro, eles não cantaram o hino na estreia contra a Inglaterra. Nos dois jogos seguintes, cantaram, mas sem entusiasmo.

Enquanto isso, na arquibancada, torcedores vaiaram esse momento específico e trouxeram cartazes defendendo a liberdade e as mulheres. Muitos, principalmente elas, choraram de emoção durante a canção. O assunto também ganhou destaque quando um ativista invadiu a partida entre Portugal e Uruguai segurando uma bandeira LGBTQIA+, com mensagens em sua camiseta defendendo as mulheres iranianas e a Ucrânia na guerra contra a Rússia. No Irã, os protestos continuam, com mais de 300 pessoas mortas e 15 mil presas. 

Por um momento, até esquecemos que a Copa é no Catar. Apenas para citar um exemplo de lei no mínimo absurda, vítimas de violência sexual podem ser processadas por adultério, com pena de 100 chibatadas e sete anos de cárcere no país. E esse caso aconteceu de verdade, em junho de 2021, com uma funcionária do Comitê Supremo, entidade encarregada de organizar a Copa do Mundo.

Em meio a esse turbilhão de emoções envolvendo o esporte mais famoso do planeta e as relações entre povos, eis que paro para assistir ao mais recente lançamento da Netflix: “As Nadadoras”. Baseado em fatos reais, o filme conta a histórias de duas irmãs atletas e seus árduos caminhos para fugir de uma Síria em guerra e chegar até a Alemanha, culminando na participação de uma delas na Olimpíada de 2016 no Rio de Janeiro. Prepare o lenço.

O longa é mais um exemplo da força transformadora do esporte, sempre capaz de mudar vidas. Mas essa mudança raramente é acompanhada da solidão. Em um momento ou outro, sempre há pessoas dispostas a ajudar, muitas vezes de nacionalidades e culturas completamente diferentes. No caso das nadadoras, centenas de refugiados de vários cantos do planeta e um técnico alemão. O respeito pelo ser humano sempre vem em primeiro lugar, não importando onde aquela pessoa nasceu.

O tema da imigração, aliás, sempre é muito discutido em Copas do Mundo. Nesta edição, 137 jogadores jogam por nações onde não nasceram. Ou seja, 16% dos 832 nomes das 32 equipes. Marrocos, por exemplo, conta com atletas nascidos no Canadá, Espanha, França, Holanda, Bélgica e Itália. São 14 “estrangeiros” e 12 marroquinos.

Seja futebol, natação ou qualquer outra modalidade, a verdade é uma só: nunca será somente um esporte. A Copa do Mundo é a prova viva de que pessoas completamente diferentes conseguem conviver em paz, respeitando e aprendendo com as suas diferenças. Será que os líderes do lado de fora não conseguem fazer o mesmo?

Esse já é considerado o torneio com mais protestos de todos os tempos, aproveitando os bilhões de telespectadores. E não adianta a transmissão oficial da Fifa tentar esconder. Sempre haverá alguém com um celular pronto para contar o lado verdadeiro da história.

E você, consegue se lembrar de mais algum exemplo desta edição?

Até a próxima!

Reginaldo Diniz é cofundador e CEO do Grupo End to End e escreve mensalmente na Máquina do Esporte

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