Ao longo das publicações desta coluna, já foram abordados diversos aspectos trabalhistas dos atletas profissionais de futebol. Convém agora, porém, tratar do alicerce do tema, expondo qual o enquadramento jurídico dessa categoria e quais leis lhe são aplicáveis.
Com efeito, para entender os direitos trabalhistas dos jogadores, é fundamental apontar que o atleta profissional de futebol configura uma categoria especial de trabalhador. Isso significa dizer que o ordenamento jurídico reconhece que a relação entre jogador e clube de futebol possui especificidades, sobretudo em razão da atividade esportiva, que diferem da relação usual entre um empregador e seus empregados.
Em razão disso, a primeira e principal fonte normativa dos direitos trabalhistas dos atletas não é a Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), mas sim a Lei Geral do Esporte (LGE) e/ou, no que ainda for aplicável, a Lei Pelé (vale recordar, nesse sentido, que a Lei Geral do Esporte foi sancionada com diversos vetos, como o dispositivo que revogava de forma integral a Lei Pelé; assim, a Lei Pelé encontra-se parcialmente vigente, apenas naqueles dispositivos que não tenham sido tacitamente revogados pela Lei Geral do Esporte). Ressalte-se, inclusive, que é em lei especial que está disciplinado o contrato especial de trabalho desportivo.
Destaque-se, desde já, que isso não significa que o atleta não possui direitos trabalhistas ou que a Consolidação das Leis do Trabalho está sendo desrespeitada. O que ocorre é que, em razão das características da atividade esportiva, o ordenamento jurídico brasileiro autorizou tratamento diverso, disciplinado em lei especial. Isto é, os direitos trabalhistas dos jogadores são previstos, como fonte principal, na Lei Geral do Esporte e/ou na Lei Pelé.
Nesse sentido, ao contrário do trabalhador comum, que mantém com seus empregadores um contrato de trabalho (normalmente formalizado por mera anotação na carteira de trabalho), o atleta profissional assina com os clubes um contrato especial de trabalho desportivo, que, inclusive, deve ser registrado na respectiva federação estadual para que o jogador tenha condição de jogo.
Em outras palavras, a existência do contrato especial de trabalho desportivo demonstra de forma inequívoca o reconhecimento jurídico de que a atividade do atleta profissional é peculiar.
A título de exemplo, ressalte-se que o trabalhador comum celebra, em regra, um contrato de trabalho por prazo indeterminado. Já no caso do atleta profissional, a contratação deve ser, por força de lei, por prazo determinado, com vigência de três meses a cinco anos. É justamente em razão dessa peculiaridade que os jogadores podem celebrar contratos por prazo determinado sucessivos com a mesma agremiação, inclusive com diminuição de salário.
Outra diferença que decorre do contrato especial de trabalho desportivo diz respeito às consequências de uma eventual rescisão.
Para o trabalhador comum, nos casos em que se admite a contratação por prazo determinado, aplicam-se, em caso de rescisão, as disposições dos artigos 479 e 480 da Consolidação das Leis do Trabalho. Assim, caso a rescisão se dê por culpa ou iniciativa do empregador, em regra, será devido ao empregado uma multa equivalente à metade da remuneração a que ele teria direito até o prazo final que havia sido ajustado. No caso de culpa ou iniciativa do empregado, em regra, o trabalhador deve indenizar o empregador pelas perdas e danos comprovadamente suportados.
Já no caso do atleta profissional de futebol, há a previsão das famosas cláusulas indenizatórias desportivas e cláusulas compensatórias esportivas.
A cláusula compensatória esportiva é devida ao atleta quando a rescisão se dá por culpa ou iniciativa do clube. O valor pode ser ajustado contratualmente, contanto que seja entre o valor total de salários mensais a que teria direito o atleta até o término do referido contrato (no mínimo) e o equivalente a quatrocentas vezes o salário do jogador no momento da rescisão (no máximo). Usualmente, ajusta-se o patamar mínimo da rescisão.
A cláusula indenizatória desportiva, por sua vez, é devida ao clube quando o contrato especial de trabalho desportivo é rescindido para que o jogador se transfira a outro clube ou caso, tendo deixado de cumprir o contrato até o final por parar de atuar como atleta profissional de futebol, retorne às atividades esportivas em até 30 meses.
O valor dessa cláusula também é ajustado contratualmente e seus limites diferem caso o jogador se vincule a uma agremiação nacional ou estrangeira. Caso o próximo clube do jogador seja brasileiro, a cláusula indenizatória desportiva não pode ultrapassar o equivalente a 2 mil vezes o valor médio de seu salário. Caso seja estrangeiro, não há limites para o valor.
Ressalte-se, ainda, que há discussão quanto à possibilidade de aplicar a cláusula indenizatória desportiva quando a rescisão contratual se der por culpa do jogador, mas sem que haja, necessariamente, transferência a outra agremiação. É o caso da rescisão do contrato de trabalho por justa causa.
Percebe-se, portanto, que a relação trabalhista do atleta profissional de futebol possui peculiaridades, disciplinadas em lei especial. No entanto, a Lei Geral do Esporte e a Lei Pelé não tratam de todos os aspectos trabalhistas dos jogadores. Assim, apenas para temas em que não haja previsão em lei especial aplica-se, para jogadores, o regime geral, previsto na Consolidação das Leis do Trabalho e nas demais legislações trabalhistas e previdenciárias.
É o caso, por exemplo, do prazo de 10 dias para pagamento das verbas rescisórias e dos requisitos para que haja a já mencionada rescisão do contrato de trabalho pelo empregador por justa causa. Tendo em vista que a questão não é tratada na Lei Geral do Esporte e na Lei Pelé, são aplicáveis as disposições gerais da Consolidação das Leis do Trabalho.
Assim, para entender os direitos trabalhistas do atleta profissional de futebol, é necessário sempre consultar inicialmente a legislação especial. Caso haja previsão específica na Lei Geral do Esporte e/ou na Lei Pelé, no que ainda estiver vigente, essa será a regra aplicável. Se não houver, deve-se voltar ao regime geral do direito do trabalho.
Alice Laurindo é mestra em Processo Civil e bacharel pela Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo (USP), em que é conselheira do Grupo de Estudos de Direito Desportivo. Além disso, atua como advogada no escritório Bichara e Motta Advogados, com foco nas áreas de Direito Desportivo, Direito do Entretenimento e Contencioso Cível, e é membra da IB|A Académie du Sport e do Laboratório de Pesquisa da Academia Nacional de Direito Desportivo (ANDD LAB)
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