O Barbenheimer do Futebol

Barbie e Oppenheimer geraram mais de US$ 235 milhões somente nos EUA em apenas um fim de semana - Salon / Universal Pictures / Warner Bros. Pictures

Quem é leitor assíduo desta coluna já deve ter percebido que, além de ser um absoluto apaixonado por esportes, sou também um imenso fã de cinema. Se havia alguma dúvida ainda, a coluna deste mês deve espantar a que restava.

Neste mês de estreia da Copa do Mundo Feminina da Fifa, testemunhamos também o fenômeno “Barbenheimer”, apelido dado ao lançamento simultâneo nos cinemas de dois dos filmes mais aguardados dos últimos anos: “Barbie”, trazido às telas pelas mãos da incrível diretora Greta Gerwig, e “Oppenheimer”, meu favorito desde já ao Oscar 2024, do já mais do que aclamado diretor Christopher Nolan.

De um lado, uma profusão de cores vivas e muito mais que 50 tons de rosa, criando um estilo visual extravagante e inequívoco. De outro, cores sombrias, uma estética fria e realista, além de um tom obviamente mais sério, para retratar a vida do homem que liderou a criação da bomba atômica.

E, apesar do embate estético, o óbvio antagonismo visual das duas obras não se traduziu em rivalidade nas bilheterias, como muitos forçosamente tentaram criar. Muito pelo contrário: Barbenheimer foi responsável por produzir a quarta maior bilheteira da história em apenas um fim de semana, gerando mais de US$ 235 milhões somente nos EUA, com Barbie liderando na proporção de 2 para 1. 

Na internet, o próprio universo esportivo mergulhou de cabeça no fenômeno, replicando uma profusão de memes que brincavam especialmente em especular quais atletas se identificariam mais com qual dos dois filmes (trazendo um olhar muito mais sobre a personalidade de cada um, do que promovendo uma visão rasa e arcaica de que qualquer mulher naturalmente deveria preferir Barbie a Oppenheimer).

E o que Barbenheimer tem a ver com futebol feminino?

Profissionalmente, acompanhei de perto os meses que antecederam o início desta Copa do Mundo Feminina, trabalhando para fechar um acordo com a Fifa para um cliente. Pessoalmente, estava ansioso pela estreia do Brasil e vibrei muito com a atuação histórica da Ary Borges, incluindo um hat trick e a assistência para aquele que foi, para mim, o gol coletivo mais lindo da história do Brasil em Copas do Mundo.

Somando-se razões pessoais e profissionais, me encanta vislumbrar uma sociedade mais equalitária, em que todos tenham de fato os mesmos direitos e oportunidades. Assim, me considero um entusiasta do futebol feminino e, como agente dessa indústria, busco fazer o que está ao meu alcance para promover e valorizar a modalidade, além de acompanhar com muito orgulho as iniciativas de marcas, empresas e personalidades que sabem que são parte fundamental dessa missão e buscam investir cada vez mais recursos para alavancar o futebol feminino.

Por coincidência, na última edição da Copa do Mundo Feminina, em 2019, na França, estava no país para outros compromissos profissionais e fiz questão de ir até Nice para assistir a uma das partidas, acompanhando a goleada de 5×1 da Suécia sobre a Tailândia. Em Londres 2012, estava em Wembley junto de outras 80.202 pessoas para a emocionante vitória por 2×1 dos EUA contra o Japão. No entanto, meu jogo favorito em toda a história continua sendo a final do Pan no Rio 2007, quando, em um Maracanã tomado por quase 80 mil súditos, Marta comandou a seleção brasileira em um verdadeiro massacre contra os Estados Unidos, garantindo a medalha de ouro, em casa, com um épico 5×0.

Agora em 2023, acabei desistindo de acompanhar o evento presencialmente, muito em função de outros compromissos já planejados. E o FOMO deu lugar ao TOMO: terrified of missing out (“com medo de perder”, em tradução livre). Escrevo este texto na véspera do jogo entre Brasil e França, que acontece neste sábado (29), às 7h de Brasília. O despertador já está programado, embora o frio na barriga também, alimentado pela lembrança da frustrante eliminação de 2019, contra as mesmas rivais de agora.

Se ganhamos, fizemos história, já que a última vez que havíamos saído vitoriosos contra a França em uma Copa do Mundo foi em 1958. E, se a vitória não veio, cabeça erguida, porque ainda tem muita Copa pela frente.

De volta ao paralelo entre os dois blockbusters do ano, não vejo por que haver competição, e muito menos rivalidade, entre o futebol feminino e o masculino. Não são poucos os que tentam forçar um antagonismo desnecessário, superficial e contraproducente, quase infantil, ignorando que há espaço para o crescimento de ambos, ainda que seja plenamente justificável que a atenção e os recursos para o futebol feminino sejam encarados como prioridade para a sociedade. Como principal esporte do planeta, o futebol tem força motriz o bastante para contribuir para a evolução da humanidade, e isso pode ser alcançado ainda mais rapidamente tendo homens e mulheres como aliados.

Enquanto o mundo anda para frente, um batalhão de Kens se indigna com a atenção dada ao futebol feminino, espalhando recalque e comentários jocosos pela internet. Cinéfilo ou não, todo mundo reconhece essa cena: os cães ladram, mas a caravana das maiores jogadoras do mundo continua a desfilar seu talento e elegância pelos gramados da Austrália e da Nova Zelândia. Já alguns parecem viver perdidos na busca eterna de uma Mojo Dojo Casa House pra chamar de sua.

Felipe Soalheiro é fundador da SportBiz Consulting e escreve mensalmente na Máquina do Esporte

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