Não tem jeito. Qualquer evento esportivo de grande porte ainda sofre com cambistas. A Copa do Mundo não é diferente: há vários relatos de torcedores que chegam ao Catar e acabam tendo que pagar valores bem maiores do que o original para conseguirem entrar nos estádios. A prática é problemática não somente para quem quer assistir aos jogos e precisa pagar caro (com o risco de comprar um ingresso falsificado), como para os organizadores do evento, que perdem o controle sobre quem está de fato comparecendo e têm zero participação na receita gerada nesse mercado secundário.
A Web3 tem a solução. Para explicar melhor, é preciso relembrar alguns elementos da terceira geração da internet (você pode ler mais detalhes aqui). Primeiro, o fato de que sua tecnologia base, a blockchain, é uma rede pública e imutável, capaz de rastrear o envio e o recebimento de informações. Segundo, devemos falar sobre os famosos NFTs, os tokens não fungíveis, que são basicamente certificados de propriedade sobre um ativo 100% digital ou uma representação digital de um ativo físico, registrados em uma blockchain. NFTs têm quatro características principais:
– Identidade única: cada NFT tem um token ID único, que o diferencia dos demais. Mesmo que visualmente os tokens sejam iguais, seus registros na blockchain serão diferentes, como irmãos gêmeos idênticos, que possuem um CPF cada;
– Autenticado: ao ser registrado em uma rede pública e imutável, é possível verificar a origem de emissão do token e confirmar se o mesmo é original ou não;
– Rastreável: pelo mesmo motivo supracitado, é possível rastrear todos os passos deste NFT, desde sua emissão até cada transação em que passa de carteira em carteira, de forma perpétua;
– Programável: é possível programar o comportamento de um NFT no momento de sua emissão dependendo das condições, usando o que se chama de smart contract (contrato inteligente), linhas de código que determinam esse comportamento. Por exemplo, ao emitir um token, é possível programar o pagamento de royalties ao criador a cada revenda que acontecer.
Se levarmos em conta essas características, veremos que a indústria de ticketing seria muito beneficiada ao adotar essas tecnologias e começar a vender ingressos como NFTs. Vejamos:
– Se sabemos que cada token tem uma identidade única e é possível verificar a origem de sua emissão, basicamente o problema da falsificação acaba;
– Se é possível rastrear todos os passos desse ingresso, desde o momento da emissão, quem o emitiu, quem o comprou pela primeira vez, quando e quanto pagou, quem o comprou no mercado secundário e assim por diante, passamos a saber exatamente quem está com a posse daquele tíquete e irá ao evento, o que é importante não só em termos de segurança, como para entender quem é o público presente, seus gostos, preferências e hábitos de consumo;
– Se conseguimos programar o comportamento desse ingresso dependendo da situação, passamos a não só ter controle sobre o mercado secundário (por meio da rastreabilidade), mas a ter participação direta no mesmo, uma vez que é possível, por meio dos contratos inteligentes, programar royalties a cada revenda feita deste tíquete, repassados automaticamente à carteira do emissor. Também pode-se programar para que determinados ingressos sejam intransferíveis (algo importante para gratuidades e patrocinadores) e até valores máximos de revenda. Então, diferentemente do que acontece hoje, quando os organizadores nada fazem de receita no mercado secundário, com essas tecnologias a receita é permanente e automática, sem a necessidade de intervenção humana.
Há ainda outras possibilidades interessantes proporcionadas pela Web3, como ingressos voltando a ser colecionáveis, com potencial de geração de receita no pós-evento; gamificação; conexão com sócio torcedor 3.0; melhor controle sobre cadeiras cativas, etc. (já escrevi um artigo com mais detalhes e um case prático que aconteceu no Brasil, que você pode ler aqui).
Muita gente ainda questiona casos de uso real e de fato úteis para blockchain, e este é definitivamente um deles. Ouso dizer, inclusive, que nos próximos três a cinco anos toda a indústria de ticketing terá adotado essa tecnologia. Gigantes do mercado, como Ticketmaster e SeatGeek, além de startups de todo o mundo, já entenderam isso, assim como grandes entidades esportivas, como NBA, NFL e Uefa.
A Chiliz 2.0, blockchain voltada para esportes e entretenimento, será lançada nos primeiros meses de 2023 justamente com o objetivo de atrair aplicações como essas. Vale a pena ficar de olho!
Felipe Ribbe é diretor geral da Socios.com no Brasil, orientador de algumas empresas de Web3, consultor em inovação no esporte e escreve mensalmente na Máquina do Esporte