O Comitê Olímpico do Brasil e a aplicação de recursos no esporte

Na última semana, o Comitê Olímpico do Brasil (COB) anunciou a distribuição de um volume recorde de recursos às confederações responsáveis pela administração das diversas modalidades olímpicas. Trata-se, sem dúvida, de uma excelente notícia para o esporte brasileiro nesse ciclo de preparação para os Jogos Olímpicos de Paris 2024, e que nos leva a expor brevemente ao leitor como funciona esse sistema de repasse de verbas pelo COB.

De início, convém ressaltar que a origem desses recursos remonta à Lei nº 13.756/2018. Tal diploma legal versa sobre a distribuição de recursos oriundos de loterias e concursos de prognósticos, atualmente operados pela Caixa Econômica Federal. Embora o diploma legal preveja a destinação de receitas, por exemplo, à segurança pública, o esporte ganha destaque especial.

Em se tratando das verbas recebidas pelo COB, o dispositivo essencial é o art. 22, que lista a entidade dentre as demais de natureza desportiva que são destinatárias legais de frações predeterminadas da receita obtida pela Caixa (ou de qualquer operador que venha a substituí-la) com a exploração de loterias e concursos de prognósticos. Portanto, o repasse de recursos pela Caixa ao COB não é meramente voluntário. Pelo contrário, é uma obrigação decorrente de uma determinação legal, cujo objetivo é certamente o de assegurar um fluxo contínuo de investimentos no desenvolvimento do esporte brasileiro.

Uma vez que o COB recebe tais verbas que lhe são designadas, ele pode aplicá-las de duas formas. A primeira é de forma direta, isto é, quando o próprio COB efetua os desembolsos necessários para a consecução das atividades pretendidas. Na forma da lei, tais recursos podem ser aplicados “em programas e projetos de fomento, desenvolvimento e manutenção do desporto, de formação de recursos humanos, de preparação técnica, manutenção e locomoção de atletas, de participação em eventos desportivos e no custeio de despesas administrativas”.

Portanto, o uso dessas verbas pelo COB pode se dar tanto para o custeio de despesas administrativas inerentes à manutenção da entidade (como o pagamento de salários de colaboradores) quanto para custeio direto de itens técnico-esportivos: pagamento de bolsas a atletas, despesas relacionadas à participação da delegação brasileira em Jogos Olímpicos, aquisição de equipamentos esportivos, etc.

Contudo, o COB também pode optar por aplicar os recursos (total ou parcialmente) de forma indireta. Nesse modelo, as verbas são descentralizadas pela entidade a confederações que lhe são filiadas e responsáveis pela administração das respectivas modalidades esportivas no Brasil. Isso, porém, não significa que as confederações possam gastar de qualquer forma os recursos recebidos. Além da necessidade de aplicação em conformidade com as finalidades estipuladas na lei (transcritas no parágrafo acima), o uso desses recursos deve observar regras rigorosas estabelecidas pelo próprio COB em normativos internos.

Essas regras determinam, por exemplo, a necessidade de que o COB aprove previamente os projetos elaborados por determinada confederação para uso das verbas. Para tanto, a confederação precisa detalhar os valores a serem gastos com cada item do aludido projeto (a participação de uma equipe brasileira em um campeonato mundial pode envolver, por exemplo, o custeio de itens como passagens aéreas, hospedagens e inscrições no evento). Uma vez aprovado o projeto e transferidos os recursos correspondentes, sua utilização pela confederação deve seguir à risca os termos autorizados.

O rigor não se limita à observância dos termos do projeto, item a item. Além disso, a forma pela qual a confederação executa as despesas também deve ser adequada a outros normativos internos do COB, como aquele que rege a contratação de fornecedores de bens e serviços. A regra geral determina que contratações sejam precedidas de um processo de seleção realizado por pregão eletrônico. No entanto, a depender das circunstâncias, o aludido processo pode se realizar sob outro formato (a exemplo de uma concorrência, ponderando o melhor preço com as qualidades técnicas dos potenciais fornecedores) ou mesmo ser dispensável ou inexigível.

Concluída a execução do projeto, é dever da confederação prestar contas ao COB em relação a todas as despesas realizadas. A hipótese de aquisição de bilhetes aéreos ilustra bem a complexidade desse procedimento: a confederação precisa apresentar, além da fatura disponibilizada pela agência de viagens (que, por sua vez, usualmente é contratada após realização de pregão eletrônico), o cartão de embarque de cada passageiro.

E o que acontece se a execução de algum item do projeto não atender integralmente às normas aplicáveis? O que ocorre, por exemplo, se algum documento fiscal comprobatório da despesa efetuada não for apresentado ao COB? Nesse caso, o COB tem a prerrogativa de exigir que a confederação promova a restituição do montante gasto com aquele item, sob pena de rejeição das contas do projeto.

Logicamente, os elementos acima expostos representam apenas uma breve síntese do longo procedimento necessário à aplicação de recursos descentralizados pelo COB às confederações. Ainda assim, por si só ilustram o nível de complexidade envolvido, exigindo alto grau de cuidado e especialização do corpo técnico das entidades, tanto de cada confederação para minimizar o risco de falhas na elaboração, execução ou prestação de contas dos projetos, quanto do COB, para avaliar cada um dos projetos e aderência de sua execução aos normativos aplicáveis.

Cabe ressaltar ainda que os mesmos princípios se aplicam também ao Comitê Paralímpico Brasileiro (CPB) e às demais entidades listadas no art. 22 da Lei nº 13.756/2018 que apliquem os recursos que lhe são destinados de forma descentralizadas, isto é, repassando-os parcialmente a confederações, clubes ou outras entidades esportivas. Ainda que cada um desses entes possua normas próprias e que estas possam conter diferenças, a essência do cuidado na elaboração, execução e prestação de contas dos recursos é a mesma.

Enfim, é evidente a importância desses recursos para o esporte brasileiro, oferecendo condições para que atletas e equipes do país se destaquem em cada vez mais modalidades. Como acima demonstrado, não há dúvida quanto ao rigor das normas regentes da aplicação dessas verbas e, consequentemente, quanto ao cuidado necessário por parte das confederações e do COB na aplicação delas.

Pedro Mendonça é advogado especializado na área esportiva desde 2010, com vasta experiência na assessoria a diversas entidades esportivas, como comitês, confederações e clubes, além de atletas, e escreve mensalmente na Máquina do Esporte

Sair da versão mobile