Sou questionada com alguma frequência: “por que montamos times femininos, se nos games homens e mulheres poderiam jogar juntos, uma vez que não existe a questão da força física?”.
Na minha opinião, tudo começa com a parte cultural. Não é culpa de ninguém, mas vivemos em uma sociedade em que “game é coisa de menino” e crescemos acreditando nisso. Por conta disso, as meninas são menos expostas a esse universo e, com a idade, acabam não se sentindo pertencentes. Game acaba por não fazer parte dos assuntos, das brincadeiras e das opções de entretenimento das meninas em geral.
A questão da educação também é primordial. A maioria das mães e pais, frutos dessa mesma sociedade, não estimulam as suas meninas a jogarem videogame. Além de muitos ainda acreditarem que “videogame isola” (o que discordo veementemente), não consideram consoles, PCs e jogos como presentes para as suas princesas e, sem querer, acabam excluindo suas filhas dessa indústria tão promissora e cheia de oportunidades.
Eu mesma fiz isso. Hoje, sou a maior defensora de meninas no ecossistema de games e sei como é importante o apoio dos pais para isso. Mas quando a minha filha nasceu, há 17 anos, não pensava dessa forma. Ao completar 3 anos, dei para ela a coleção da Barbie princesas. Já o meu filho, quando completou 3 anos, ganhou o seu primeiro PlayStation. Ele não quer ser jogador profissional, mas divide o seu horário livre entre estudo, esportes tradicionais e videogame com os amigos. Ela não poderia nem pensar em ser uma jogadora profissional porque nunca jogou, mas, hoje, devido ao contato diário que tem com o assunto por minha causa, já vê a indústria como uma opção de carreira, o que, quem sabe, poderá ajudar a mudar a cabeça de muita gente.
Quando falamos do competitivo profissional, a sensação de pertencimento, o investimento de tempo, a dedicação nos treinamentos e, acima de tudo, a vontade de jogar e vencer fazem toda diferença. As meninas, por todos os motivos que falamos acima, não criam o hábito de jogar (nem sozinhas nem em grupo) e as poucas que se aventuram raramente encontram parceiras para jogar junto ou desafiar. A falta de jogo gera falta de treino, que gera desenvolvimento técnico abaixo do desejado (claro que existem exceções). Sem falar dos ambientes muitas vezes tóxicos que acabam fazendo com que muitas meninas simplesmente desistam.
Por conta de todos esses motivos, apesar do meu sonho em ver meninas e meninos jogando no mesmo time, ainda precisamos de investimento dedicado para que as meninas recuperem o tempo perdido, se empolguem com o competitivo e possam ter um nível técnico para disputar “frente a frente” com quem quer que seja. É preciso ter times femininos, campeonatos femininos, ligas femininas e projetos como o Women in Brazil (WIBR), do MIBR, que estimulam meninas a trabalharem no ecossistema dos games e lutam para mostrar que “game é para todo mundo”.
Roberta Coelho é CEO da equipe de e-Sports MIBR e escreve mensalmente na Máquina do Esporte