O impacto do streaming na publicidade

Amazon Prime Video detém os direitos dos jogos de quinta-feira à noite da NFL nos EUA - Divulgação

O assunto “streaming no esporte” já é bastante comentado há alguns anos e será cada vez mais à medida que os direitos de transmissão forem distribuídos por estas plataformas digitais. Em geral, o foco das discussões se encontra no modelo de negócio, na precificação, na pulverização dos direitos, na pirataria e no acesso do público aos serviços. São todos pontos superválidos e, como estamos nas primeiras fases desta nova maneira de distribuir conteúdos ao vivo, é natural que os debates se concentrem em tópicos mais polêmicos. Faz bem para a evolução da indústria.

Porém, hoje vou comentar sobre uma possibilidade aberta por plataformas de streaming, algo ainda pouco comentado, mas com enorme potencial de disrupção no mercado: anúncios segmentados.

NFL no Amazon Prime Video

Poucas empresas no mundo conhecem tão bem seus clientes quanto a Amazon. A empresa, que começou como uma loja de livros on-line, expandiu seus serviços para muito além do e-commerce, abrangendo desde computação em nuvem até serviços de streaming de áudio e vídeo. Justamente por ter diversos pontos de contato possíveis, o nível de conhecimento que a empresa tem das pessoas com as quais se relaciona é enorme e granular. Não é à toa que a Amazon se tornou a terceira empresa que mais fatura com publicidade no mundo, atrás apenas de Google e Meta. Com tamanha habilidade de monetizar a relação com seus consumidores, era de se esperar que viria dali uma grande inovação nas transmissões ao vivo: a possibilidade do anunciante segmentar sua propaganda para demografias diferentes.

Na temporada 2023/2024 da NFL, que começou na semana passada, a Amazon detém os direitos exclusivos para os EUA sobre os jogos das quintas-feiras à noite. E passou a oferecer a possibilidade de seus spots de 30 e 60 segundos serem preenchidos pelas mesmas empresas, mas com mensagens distintas, de acordo com o público que elas querem atingir. Assim, uma montadora de automóveis, por exemplo, pode exibir um comercial de um carro esportivo para uma audiência mais jovem e solteira; um SUV para uma família; e um modelo sedan para os mais velhos.

Vejam bem, não estou falando daqueles ads que são exibidos quando clicamos para assistir a um vídeo. Estou falando dos comerciais inseridos na própria programação, no sinal oficial que vai ao ar (e que, por isso, não podem ser pulados). Trata-se de algo disruptivo, não só para o anunciante, que passa a poder criar peças que comunicarão sua mensagem de acordo com o público que deseja (e não mais o modelo “one size fits all” tradicional da TV), como para a própria Amazon, que multiplica as propriedades e pode cobrar até mais caro, já que, ao menos em teoria, haverá mais assertividade na entrega (por enquanto, a ideia é que estes spots sejam usados sempre pelas mesmas empresas, mas certamente isso mudará em um futuro próximo).

Com a profusão de ferramentas de inteligência artificial (IA), que permitem escalar a produção de conteúdos a níveis nunca vistos antes, é bem fácil imaginar que, em breve, tais spots serão não mais segmentados por dados demográficos, mas individualizados. Ou seja, eu vou receber um spot personalizado, você outro, e assim por diante. E provavelmente com um call to action na tela, para que a compra ou a captura do lead seja feita de forma suave, sem precisar abrir mão de assistir ao que acontece em campo.

Aliás, a venda de produtos durante a transmissão será outra novidade da Amazon nesta temporada, em uma partida especial, realizada durante a Black Friday, em 24 de novembro. A empresa pagou dezenas de milhões de dólares à NFL para poder exibir um jogo nesta data e promete muitas inovações relacionadas ao live commerce. Mas como este não é o assunto de hoje, deixarei para falar sobre isso mais próximo da data.

Digital Placement Customizado

Se a possibilidade de segmentar comerciais em transmissões ao vivo já é um “big deal”, há outras oportunidades de personalização possibilitadas apenas pelo streaming. Uma delas é o digital placement. Basicamente, trata-se da inserção de publicidades virtuais no sinal de transmissão de maneira que pareça que as mesmas estão de fato no local. Isso já acontece há algum tempo, mas sempre no formato tradicional, da mesma mensagem sendo enviada para todos.

De uns anos para cá, algumas empresas, como a Sponixtech e a Supponor, passaram a oferecer a chance de segmentar as propagandas nas placas de publicidade ao redor do campo de acordo com a região geográfica. Recentemente, inclusive, alguns vídeos de amistosos da seleção brasileira viralizaram por aqui, mostrando que as empresas anunciantes no sinal enviado para o Brasil eram diferentes das empresas anunciantes no sinal internacional.

Porém, imagine que, uma vez que se saiba exatamente quem é a pessoa que está assistindo à partida (pelo simples fato dela estar logada em uma plataforma de streaming), será possível enviar para cada uma delas uma mensagem diferente, de acordo com seus gostos, preferências e necessidades. Isso já acontece normalmente na internet: quantas vezes clicamos em um produto e depois anúncios deste produto passam a aparecer em ads em outros ambientes?

Sob este ponto de vista, placas de publicidade (e outros espaços) nos sinais de transmissão, ao serem coordenadas com os dados de quem está assistindo na plataforma de streaming, se tornam propriedades digitais como quaisquer outras na internet. E isso abre o caminho para se multiplicar de forma exponencial o número de propriedades à venda, além, é claro, de aumentar consideravelmente as taxas de conversão, uma vez que o tipo de mensagem exibida, ao ser customizada, terá um apelo muito maior para o espectador (ou seja, mais valor no bolso do dono dos direitos).

Isso tudo ainda não é possível, mas, com as tecnologias evoluindo em um ritmo cada vez mais acelerado, não demorará muito para que se torne realidade. Por enquanto, vale ficar de olho no que a Amazon está fazendo e se preparar para o futuro.

Felipe Ribbe é ex-diretor geral da Socios.com no Brasil e ex-chefe de inovação do Atlético-MG. Atualmente, é diretor global de comunidades DTC na AB-Inbev, orientador de startups de Web3 e escreve mensalmente na Máquina do Esporte

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